sexta-feira, agosto 31, 2007

ANAC: COMO CONSTRUIR O FUTURO DA AGÊNCIA?

Nos últimos dias temos presenciado uma discussão acirrada no que se refere ao modelo de agência reguladora que a Aviação Civil Brasileira precisa. Alguns cidadãos, como o Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Defesa, até questionaram sua necessidade.

Entretanto, numa overview pela aviação internacional, facilmente descobrimos países com um transporte aéreo saudável e desenvolvido sendo regulado e fiscalizado por organismos públicos autônomos. Por isto mesmo, eu não tenho dúvidas quanto à necessidade de uma agência com este modelo para a boa saúde do nosso Sistema de Aviação Civil.
É bom destacar que a autonomia deste tipo de agência torna-se indispensável por sua atuação significar uma questão de Estado e não de Governo. Mudanças governamentais não podem influenciar no seu desempenho regulador e fiscalizador, muito menos alterar o seu planejamento institucional.

Contudo, muita coisa há que se modificar na sistemática de trabalho da autarquia brasileira para alcançarmos uma melhor organização no setor aéreo. A busca da excelência na gestão da ANAC é o maior desafio que os seus diretores terão no curto prazo.

A qualidade na prestação dos serviços de regulação e fiscalização, na atividade aérea, é tão importante quanto o mesmo nível de qualidade nos vôos oferecidos pelas companhias de aviação. E para que isto aconteça, é preciso sair da inércia administrativa estatal para uma gestão pública técnico-operacional dinâmica e flexível. Todavia, o atual momento da aviação brasileira exige que isto ocorra de forma célere, contundente, planejada e irrevogável. Afinal, a modernidade tem que começar pelas ações dos gestores públicos.

E as melhores práticas de gestão na Aviação Civil já são demonstradas em outros países. A FAA – Federal Aviation Administration, norte-americana, e JAA – Joint Aviation Authorities, européia, são organismos reguladores e fiscalizadores muito respeitados e servem de referência em todo o mundo, notadamente pela transparência em seus atos administrativos.

Durante o meu período acadêmico, estudando Gestão de Aviação Civil, adquiri a certeza de que as pessoas têm o poder de escrever o destino das instituições e, por este motivo, organismos técnicos como a ANAC devem ser impregnados com especialistas em aviação, a fim de que suas ações profissionais sejam voltadas para o setor e motivadas por um conhecimento que transcenda a superficialidade dos que agem embalados pela influência das políticas circunstanciais. Se este choque de gestão especializada acontecer, estejam certos de que estes técnicos escolhidos escreverão a história da agência, aquela história de competência que o país necessita e merece.

A ANAC, como entidade pública jovem, deve, inicialmente, preocupar-se em criar uma cultura organizacional com base no axioma popular de que a pessoa certa é para estar no lugar certo. Não se deve perder de vista que são as pessoas que mudam os processos e não os processos que modificam as pessoas. Há que se ter o propósito de ajustar os profissionais ao micro-ambiente de trabalho e as instituições ao macro-ambiente sistêmico.

Um dos equívocos mais freqüentes cometido pelos administradores é o impregnarem-se da crença de que qualquer profissional pode tornar-se competente pelo simples acúmulo de experiências, mesmo não sendo do ramo. Para este tipo de gestor basta um “cursinho rápido”, um “seminário com especialistas” ou um “bom congresso no exterior” para transformar qualquer um em profissional competente. Não devemos esquecer que o talento pessoal é que define a área de competência de um profissional. Existem pessoas que jamais serão competentes trabalhando no setor aéreo. E isto é tão importante para o setor que só devemos permitir que este tipo de gente se relacione com a aviação na condição de passageiro dos aviões de carreira.

Outra grande lição que aprendi estudando o setor aéreo foi a de que o conhecimento do sistema de aviação e o compromisso com a atividade aeronáutica devem influenciar na seleção do capital humano necessário para a formação do corpo funcional das instituições ligadas ao setor. As organizações que assim têm agido mantêm-se mais tempo ao lado do sucesso.

No Brasil, atualmente, o sistema de gestão da ANAC tem sofrido influências negativas no que tange à modernização dos seus segmentos e divisões. A resistência às mudanças tem tomado um lugar de destaque nas hostes da autarquia. Associado a isto, há um incompreensível distanciamento da agência dos outros elos que compõem o sistema, como se autonomia fosse sinal de afastamento.

Além do mais, o reconhecimento de que a saúde do setor aéreo depende da integração entre os principais pilares da atividade – ANAC/INFRAERO/DECEA/CENIPA – já se tornou um fator fundamental para se criar e avançar num processo de melhoria contínua. Entretanto, o que percebo, há muito, é a busca isolada das organizações pela ocupação de lugares que são coletivos por natureza. Como diz um amigo: “Não há soluções individuais para problemas coletivos”. E na verdade, senhores, o Sistema Brasileiro de Aviação Civil está carente da insubstituível sinergia, que nada mais é do que superar as marcas individuais com o resultado do trabalho coletivo.

Vale ressaltar que a convenção cultural mais importante para a construção de um processo de excelência na gestão pública é a competência ética. Este valor intangível, se não for percebido pela sociedade, mesmo que ele exista, torna-se fonte de destruição institucional. Já diziam os educadores do passado: “Não basta ser sério, tem que parecer sério”. E o melhor caminho para não haver dúvidas quanto à lisura neste quesito é o que leva ao ato administrativo transparente, passível de divulgação, claro e evidente. Isto, sem dúvidas, faz muita diferença.

Dito isto, quero lembrar que jamais advogarei a destruição do que já existe de bom no sistema de aviação do nosso país. Sugiro, simplesmente, a identificação de talentos. E esta identificação deve iniciar-se pelo próprio corpo funcional da agência. O reconhecimento deve começar pela prata da casa.

Sabemos, todos, que não há como vencer jogos de futebol de campo com uma boa equipe de handball. Isto é elementar, mas há administradores que ainda cometem este tipo de erro administrativo. Por isto, não acreditem que o jogo da administração pública na aviação será vencido sem o aproveitamento do seu capital humano de forma adequada, equilibrada, ordeira, produtiva e ambiciosa. Os profissionais do ramo é que saberão inovar para manter a aviação na modernidade que o setor exige. Só quem trabalha com profissionais possuidores dos melhores atributos pode acreditar que uma gestão superior, sensata e de qualidade virá de maneira natural e espontânea. Caso contrário, o que nos restará é a mediocridade dos incompetentes.

O momento, então, é de se falar pouco e agir muito. A hora é de trabalhar pela modernização da Aviação Civil Brasileira, enquanto é tempo. Por isto, mãos à obra. E que os homens de bem se disponibilizem para que seja constituída uma equipe de ponta. Que assim seja!

quarta-feira, agosto 15, 2007

A AVIAÇÃO CIVIL E O RAZOÁVEL

O dicionário Michaelis define razoável como moderado, aceitável, suficiente. Mas, em se tratando de Aviação Civil, o que é possível estar na esfera do razoável? De fato, diferentemente do que consta no dicionário Michaelis, se considerarmos razoável como perfeito, naquilo que se refere à aviação, no curto prazo estaremos no caminho certo e ingressaremos na modernidade exigida pela atividade.
Os dois maiores acidentes da história da aviação do país nos têm feito refletir sobre todo o Sistema Brasileiro de Aviação Civil, com os seus diferentes conceitos de gestão administrativo-operacional, e nos fez admitir certos enganos sob a força da blood priority, expressão muito utilizada pelos investigadores de acidentes aéreos para explicar o caminho do aprendizado adquirido à força após as tragédias aéreas.Ao longo dos anos, no Brasil, temos convivido com situações no cotidiano da atividade aérea que não condizem com o espectro de exigências que um sistema complexo como este demanda dos seus gestores.
O Aeroporto de Congonhas é um bom exemplo disto. Há muito, e muito antes do acidente com o AIRBUS, que pilotos e controladores de vôo, por trabalharem na linha-de-frente da operação aérea, vinham alertando as autoridades aeroportuárias quanto à má conservação das duas pistas desse aeroporto, sem sequer serem ouvidos.
Inúmeros Relatórios de Perigo, gravações de diálogos de alerta dos pilotos sobre as condições escorregadias do piso asfáltico e vários outros registros no livro de ocorrências da Torre de Controle de Congonhas formavam massa crítica suficiente para que uma ação corretiva fosse tomada, mesmo às custas de algum transtorno à malha aérea das empresas.
Na verdade, não trabalhamos em aviação somente com o tangível. A percepção de valor dos profissionais do setor e dos usuários do transporte aéreo também faz parte do universo de informações que compõem o processo decisório dos gestores da Aviação Civil. O senso comum frente à inadequação é, muitas vezes, o sinal de alerta que falta para se agir pró-ativamente em favor de um bem público, como a aviação, sem causar um mal maior aos que dele dependem e se beneficiam.
A relação da aviação com o razoável é a mesma do cidadão com a sua saúde: se não for transparente, cuidadosamente examinada e regulamente mantida pode ser que a boa qualidade de vida fique comprometida. E a saúde é tão intangível quanto a Segurança de Vôo. A falta de qualquer das duas pode, silenciosamente, levar pessoas e sistemas à crises agudas e profundas.
Da mesma maneira que não devemos tratar da saúde em clínicas, em laboratórios ou com médicos moderados ou razoáveis, a aviação não deve aceitar gestores, operadores nem equipamentos medianos: só devem servir os melhores. Pode ser que muitas vezes fiquemos frente-a-frente com os gestores de salários mais altos ou com os equipamentos e tecnologias mais caras e sofisticadas, mas, certamente, além de possuírem qualidade superior são mais seguros e confiáveis nas decisões, no desempenho e na eficácia. Não há dúvida de que vale a pena o investimento. Economizar nestes quesitos nem mesmo é razoável.
A atual crise aérea está demandando mudanças, especialmente no tocante a gestão do setor e à criação de um organismo independente de prevenção e investigação de incidentes e acidentes aeronáuticos. A sociedade civil precisa discutir melhor estas as duas questões.
O desafio do momento na Aviação Civil é, sem dúvida, ingressar na modernidade. E modernidade é não somente parecer seguro e atual, mas, acima de tudo, é garantir as melhores práticas administrativo-operacionais no trato dos recursos humanos, financeiros e materiais, além de manter a independência dos que lidam com Segurança de Vôo para que suas ações não sofram interferências de interesses díspares, preocupados exclusivamente em manter privilégios ou benefícios individuais em detrimento do bem comum, da verdade e da prevenção de acidentes e incidentes aéreos.
Então, senhores, o razoável em aviação é perseguir a perfeição. E o custo financeiro, na maioria das vezes, é secundário e não nos deve afastar do melhor investimento.