sábado, dezembro 29, 2007

RUNWAY INCURSION

A EUROPA DISSEMINANDO AS MELHORES PRÁTICAS DE PREVENÇÃO
Desde de novembro de 2004 a ICAO – International Civil Aviation Organization – passou a definir Runway Incursion (Incursão de Pista), para efeito de coleta e análise de dados, como: “Qualquer ocorrência em um aeródromo envolvendo a presença incorreta de uma aeronave, de um veículo ou de uma pessoa na área de proteção da superfície reservada aos pousos e decolagens de aeronaves”.

Com base nos dados de incidentes e acidentes colhidos nos últimos anos e buscando enfocar os fatores causais das Runway Incursions ocorridas no continente, os Estados Europeus estão reimplementando um plano de ação totalmente dirigido para a disseminação dos conceitos de Aviation Safety (Segurança de Vôo) com o objetivo de propagar as melhores práticas de prevenção contra esta ameaça às operações aéreas, enquanto se estuda com mais profundidade como as novas tecnologias podem auxiliar nesta tarefa e como minimizar ainda mais a influência do erro humano nessas indesejáveis ocorrências.

A
questão da Runway Incursion sempre foi identificada como uma das mais sérias ameaças à Segurança Operacional na Aviação Civil. E, por isto mesmo, ela é uma preocupação constante dos especialistas, notadamente quando as operações aéreas acontecem em aeroportos congestionados, com pistas de táxi que cruzam as de pouso e decolagem, e que, além disto, ainda apresentem deficiências em termos de controle de tráfego aéreo.

Numa iniciativa para melhorar o nível de Segurança Operacional na Aviação Civil, a Comunidade Européia de Safety fez o Eurocontrol reeditar, revisado, em maio de 2006, o European Action Plan for the Prevention of Runway Incursion – Plano de Ação Europeu para a Prevenção da Runway Incursion, o qual é repleto de recomendações voltadas para a redução de incidentes e acidentes em pistas de pouso e decolagem. Distribuído desde 2003, como resultado de um esforço combinado de organizações representativas de todas as áreas operacionais dos aeroportos, o plano é atualizado periodicamente para se manter efetivo e eficaz.

Como o próprio plano aponta, uma política de segurança para as pistas de pouso e decolagem é um componente vital para a Segurança Operacional nos aeroportos. Além do mais, este tipo de política requer um esforço preventivo contínuo para se acompanhar o crescimento da aviação e evitar que ele aumente o número de ocorrências de Runway Incursion.

Como mostraram os Bancos de Dados europeus de Safety, analisados pelo Eurocontrol, as circunstâncias que rondam uma Runway Incursion diferem consideravelmente. Entretanto, elas surgem freqüentemente em função de uma complexa mistura de fatores contribuintes. Entre os fatores mais presentes estão os relacionados com a deficiência na comunicação entre pilotos e condutores de veículos que circulam nos aeródromos com os controladores de tráfego aéreo.

Em outros tempos, quando não eram freqüentes as pesquisas e análises dos Bancos de Dados, acreditava-se que Runway Incursions eram provocadas pela simples queda ou perda do alerta situacional dos profissionais envolvidos. Contudo, as pesquisas mostraram que a redução na qualidade e na precisão da comunicação entre o controle de tráfego aéreo e os outros atores do cenário operacional de um aeroporto é que determina este tipo de incidente ou acidente, levando-se em conta que em mais de 50% dos casos há uma autorização de tráfego válida para que os comandantes de aeronaves e/ou condutores de veículos automotores transitem por áreas próximas ou cruzem as pistas de pouso e decolagem que estão em uso.

Fraseologia fora dos padrões ICAO, mensagens prolixas e complexas, transmissões ambíguas e falhas em prover readbacks (confirmações de entendimento) são situações comumente percebidas nos reportes de incidentes e acidentes, mostrando que isto tudo leva à emissão de comunicações confusas que acabam possibilitando uma Runway Incursion.

Por isto mesmo, o aperfeiçoamento da comunicação operacional no âmbito do aeródromo deve ser uma prioridade, apesar de ser uma questão de difícil implementação pela múltipla subordinação institucional dos atores envolvidos. No Brasil, por exemplo, os pilotos são funcionários das empresas aéreas, os controladores de tráfego aéreo do DECEA – Departamento de Controle do Espaço Aéreo – e os condutores de veículos na superfície dos aeroportos ou são da INFRAERO ou das próprias empresas aéreas. Muitas vezes, o que é prioridade para uma instituição não o é para outra, dificultando uma ação conjunta.

E, além do mais, não é tão simples como se pensa a introdução de regras e instruções de comunicação para o cumprimento de pessoas, com formações profissionais distintas, e a obtenção imediata de eficiência e eficácia como resultado. Somado à esta questão, as operações em aeródromos são conduzidas num ambiente dinâmico e volátil, o que por vezes também dificulta as melhores práticas de Safety. Há momentos de extrema carga de trabalho, com múltiplas transmissões cruzadas, incompletas ou ininteligíveis, sob condições meteorológicas adversas e com os controladores de tráfego aéreo tendo que, além de fiscalizar todo tipo de manobra na área operacional, planejar as próximas quatro ou cinco ações num curtíssimo espaço de tempo.

Bem, o Plano de Ação Europeu para a Prevenção da Runway Incursion, foco deste artigo, foi desenvolvido por um dinâmico Grupo de Trabalho Europeu, criado em 2002 e ativo até hoje, formado por especialistas em Segurança Operacional e que se faz representar nos principais fóruns de discussão sobre operações em aeródromos. Agindo como uma equipe, estes especialistas trabalham com a premissa de que nenhum grupo de profissionais seja ele de pilotos, de controladores de tráfego aéreo ou de administradores de aeroportos, resolverá isoladamente o complexo problema da Runway Incursion. Até porque eles são profissionais experientes, oriundos da área operacional dos aeroportos, e conhecem bem o dia-a-dia dos problemas vividos pela atividade aérea enquanto operando no cenário aeroportuário, o que não os permite alimentar ilusões ou crenças infundadas com respeito à soluções isoladas para o fim desta ameaça.

O grupo também fez questão de adotar os princípios da Cultura Justa no seu trabalho de equipe, a mesma que não busca por culpados durante as suas análises, pesquisas e investigações. Ao invés disto, o Grupo de Trabalho concentra-se em perseguir os fatores que contribuem para o fechamento da cadeia de eventos que leva ao incidente ou ao acidente. Até mesmo porque, eles bem sabem que se profissionais de alta performance e proficiência cometem qualquer ação equivocada que possibilite uma Runway Incursion, há alguma falha no sistema que permitiu o erro humano e é ela que deve ser identificada e eliminada.

Apoiado pela IFATCA (International Federation of Air Traffic Controllers Association), IATA (International Air Transport Association), ECA (European Cockpit Association), IAOPA (International Council of Aircraft Owner and Pilot Association), IFALPA (International Federation of Air Lines Pilots Association), AEA (Association of European Airlines), ACI (Airports Council International) e ERA (European Regions Airline Association), o Plano de Ação contra Runway Incursion contem mais de 50 recomendações que reconhecem as diferenças entre os vários aeroportos, que vão de pequenos regionais a grandes Hubs (aeroportos distribuidores de vôo) com múltiplas pistas de pousos e decolagens. A página na Internet do Eurocontrol, aberta ao conhecimento público, (www.eurocontrol.int/runwaysafety/public/standard_page/EuropeanAction.html) pode dar uma noção interessante desta diversidade de aeroportos além de possibilitar o acesso ao Plano de Ação.

Sustentam o plano 56 recomendações as quais são endereçadas aos operadores de aeródromos, aos provedores de serviços de navegação aérea, às empresas aéreas e a outros operadores de aeronaves, além dos órgãos reguladores, dentre outros.

Os princípios fundamentais baseam-se na crença de que:

· As normas providas pela ICAO são adequadas para todas as tarefas associadas às ações preventivas de Runway Incursion;
· A aviação é uma indústria global e na prática há problemas que irão acompanhar as variações regionais;
· O preparo das tripulações demanda treinamento consistente e previsibilidade no que se refere à aplicação das normas e conceitos propugnados pela ICAO e do que se espera deles;
· No nível aeroportuário, o aumento do grau de Segurança Operacional somente pode se tornar uma realidade se for implementado pelo pessoal da localidade e se forem consideradas e respeitadas as diferenças locais, já que a infraestrutura e a densidade do tráfego aéreo diferem de região para região e devem ser levadas em conta no combate dos problemas associados à Runway Incursion;

No processo de implementação do Plano de Ação, algumas boas práticas têm sido identificadas e foram incorporadas a ele ao longo do tempo. Como exemplo, o que se aprendeu com a experiência prática levou o Grupo de Trabalho Europeu a considerar importante a confirmação da alta direção das empresas aéreas, por escrito, da efetiva implementação das recomendações feitas a elas pelo plano preventivo. Outra questão considerada fundamental é a manutenção de um relacionamento estrito e cordial das administrações aeroportuárias com os Runway Safety Teams (Equipes de Segurança Operacional em Pistas de Pouso e Decolagem), tal qual aqueles grupos de pilotos formados pela IFALPA para serem Aerodrome Liaison Representatives (Representantes de ligação dos pilotos com a administração dos aeroportos), os quais buscam soluções integradas e factíveis.

Além disto, alguns provedores de serviços de navegação aérea têm feito grandes esforços para melhorar o padrão da comunicação entre controladores de tráfego aéreo, pilotos e condutores de veículos das áreas operacionais dos aeroportos. Isto inclui análises regulares das gravações radiotelefônicas para assegurar que todos os atores operacionais do cenário aeroportuário estão utilizando a fraseologia e os procedimentos de comunicação corretos. Concomitantemente, os administradores dos aeroportos estão proporcionando um melhor treinamento compreensivo e sistemático de radiotelefonia aos condutores de veículos das áreas operacionais.

As inspeções e auditorias operacionais de segurança também têm subsidiado as novas ações preventivas, pois os seus relatórios têm se mostrado mais detalhados e voltados também para as questões da prevenção da Runway Incursion. A implementação dos Safety Management Systems – Sistemas de Gerenciamento da Segurança Operacional – também vêm auxiliando este trabalho de uma forma mais organizada, disciplinada e eficaz, pois um dos seus focos mais destacados é o aprimoramento e o cuidado na implantação e no uso correto das ferramentas de prevenção de incidentes e acidentes aeronáuticos.

E, por último, os especialistas continuam estudando como a tecnologia pode ajudar nesse trabalho de prevenção, notadamente no aprimoramento dos alarmes e luzes de aviso para alertar pilotos e controladores de tráfego aéreo quanto às ameaças provocadas por ações operacionais inadequadas que estejam em curso próximo às pistas de pouso e decolagem ativas. Entretanto, ainda há vários obstáculos técnicos a serem suplantados para que o uso de novas tecnologias na prevenção de Runway Incursion possa se tornar uma realidade prática.

Enfim, para se obter sucesso na prevenção de Runway Incursions deve-se estar cuidando, diuturnamente, tanto do papel a ser desempenhado pelo homem como o desempenhado pela tecnologia mais moderna no ambiente aeroportuário a fim de que a necessária vigília preventiva não sofra solução de continuidade e permita a presença de qualquer tipo de falha humana ou material, quando menos se espera.

É importante lembrar que o trabalho prevenção de Runway Incursions na Europa é fruto de uma parceria entre empresas aéreas, associação de pilotos, associação de trabalhadores e organismos de Controle de Tráfego Aéreo e Operadores de aeroportos, o que proporciona mais eficácia ao trabalho implementado.

É um bom exemplo a ser seguido, pois somente um esforço conjunto pode levar ao aumento dos níveis globais de Segurança Operacional nos aeroportos.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

RESILIÊNCIA

Um bom caminho para a transposição das dificuldades
INTRODUÇÃO

Anos e mais anos de estudo no ambiente de aviação têm sido dedicados para melhorar o nível das ações de prevenção de incidentes e acidentes aeronáuticos, e deste trabalho temos retirado vários ensinamentos. Um dos mais freqüentes, e de amplo conhecimento dos que militam no meio, é o de que os eventos indesejáveis na atividade aérea são frutos de uma combinação de fatores. Todavia, um desses fatores, em especial, normalmente é o provocador da cadeia de condições adversas, muitas vezes se apresentando de forma inesperada e surpreendendo os que estão na linha-de-frente das operações aéreas. E se não houver um treinamento adequado para responder a estas surpresas, a situação pode facilitar a ocorrência de incidentes ou acidentes.

Uma outra boa lição, que na aviação é aprendida minuto a minuto, refere-se às inúmeras falhas latentes – falhas ocultas – (vide a teoria do queijo suíço do renomado Professor James Reason, da Manchester University) que permeiam o dia-a-dia de uma companhia aérea. E, por vezes, muitas delas, por mais paradoxal que possa parecer, são conseqüências de períodos prolongados de sucesso empresarial, os quais provocam um certo relaxamento no cumprimento dos preceitos básicos de uma Cultura Produtiva de Segurança Organizacional, levando o corpo funcional a reagir precipitada e/ou indesejavelmente às situações de dificuldade ou emergenciais que se apresentam, por se sentirem vencedores e invulneráveis, ao invés de raciocinar com serenidade e buscar ações pró-ativas frente a elas.

Mas como agir de forma equilibrada quando o mundo parece cair sobre a empresa ou, até mesmo, cair sobre as nossas cabeças, quando trabalhando nela, especialmente após grandes acidentes aeronáuticos, agruras financeiras duradouras, proximidade da venda, fusão ou falência da empresa e outras tantas adversidades passíveis de ocorrer? A resposta é: agir com RESILIÊNCIA.

Nos últimos tempos, a noção de resiliência tem emergido gradualmente como um caminho lógico para suplantar as agruras, aprimorar a avaliação dos riscos de uma atividade e compreender melhor um Sistema de Segurança Operacional. Idéias relacionadas com a resiliência circulam, por vezes mais por vezes menos, no cotidiano das organizações, sem sequer serem percebidas e, por isso mesmo, deixando de ser utilizadas.

Mas o que é, de fato, RESILIÊNCIA?

Bem, resiliência é um processo de adaptação organizacional ou pessoal para se fazer frente, de forma adequada, às adversidades, aos traumas, às tragédias, às ameaças ou, ainda, a algumas outras fontes de estresse, como as prolongadas fases de apertos financeiros. Na verdade, podemos considerar que as pessoas ou empresas nominadas como resilientes são aquelas que sabem se recuperar de grandes impactos negativos, mantendo a crença num futuro melhor.

Pesquisas mostram que a capacidade de ser resiliente pode ser uma coisa bem habitual, mas, de fato, é pouco percebida. Contudo, na prática, mesmo aqueles que dizem possuir alguma informação sobre resiliência, quando surgem momentos críticos, por não a desenvolverem como uma habilidade, não sabem como utilizá-la. E por ser uma habilidade desenvolvida inicialmente por indivíduos, e introduzida nas organizações através de equipes de funcionários bem treinadas, eu advogo a sua inclusão como mais uma skill a ser treinada durante os seminários CRM – Company Resource Management, já que hoje este treinamento é mandatório no meio aeronáutico.

Considero o desenvolvimento da resiliência na aviação, como habilidade, tão importante quanto aquele que aguça o alerta situacional, que auxilia na construção da melhor tomada de decisão e que ajuda no desenvolvimento de uma boa comunicação intra e intergrupal. E, na minha opinião, ela não pode faltar nesta extensa lista de habilidades treinadas por um CRM eficaz.

Ser resiliente não representa deixar de experimentar dificuldades ou angústias. Sofrimento emocional e tristeza são comuns nas pessoas, ou nos grupos funcionais, que sejam acometidos por perdas ou traumas importantes. A bem da verdade, o caminho para a resiliência passa, preferencialmente, pelo conhecimento e pelo treinamento de como se envolver com os distúrbios emocionais do ser humano sem se considerar num beco sem saída ou completamente derrotado.

Em suma, a resiliência não é um traço de personalidade que a pessoa tem ou não tem. Resiliência envolve comportamentos, pensamentos e ações que podem ser aprendidas e desenvolvidas por cada indivíduo.


FATORES & ESTRATÉGIAS EM BUSCA DA RESILIÊNCIA

Uma combinação de fatores e estratégias contribui para se adquirir resiliência. Muitos estudos mostram que o fator primário para adquiri-la é a construção de um nível sólido de relacionamentos internos e externos, com base na confiança mútua e na criatividade, de tal forma que eles sejam transferidos para os mais novos e percebidos por eles de maneira positiva dentro de uma Cultura Organizacional, no caso das empresas, ou de uma Cultura Pessoal, no caso dos indivíduos, de forma a impregná-las com o espírito da resiliência.

Os relacionamentos equilibrados criam modelos confiantes de atuação de indivíduos e de equipes, os quais auxiliam na construção de ambientes que encorajam e asseguram o desenvolvimento da resiliência, como habilidade, de uma maneira eficaz.
Alguns fatores & estratégias adicionais são associados à resiliência, incluindo:

Fatores

Ø A capacidade de elaborar planos realistas e factíveis, para evitar frustrações desnecessárias, e buscar perseverança para realiza-los a bom termo;

Ø A manutenção de visões pessoais e organizacionais positivas e confiantes na superação das dificuldades, as quais sempre levem à crença na reconquista do sucesso;

Ø O desenvolvimento constante das habilidades de comunicação e resolução de problemas, e;

Ø A capacidade de gerenciar fortes emoções e a impulsividade.


Estratégias
O desenvolvimento da resiliência é uma jornada pessoal. Indivíduos não reagem da mesma maneira a determinados tipos de traumas ou de eventos pessoais ou grupais altamente estressantes. Nestas horas, uma abordagem baseada na resiliência que funcione com uma pessoa pode não funcionar com outra. Por isso, dependendo da situação, das pessoas ou das empresas, várias estratégias podem ser utilizadas. A maioria delas reflete, normalmente, as diferenças culturais, tornando-as díspares.

As culturas pessoais ou coletivas (as organizacionais são as mais preponderantes) habitualmente têm um impacto significativo na forma de comunicação dos indivíduos ou das empresas – interna ou externamente – e de como eles lidam com situações ou sentimentos adversos. Com o cultivo de uma cultura diversificada, flexível e sensível a qualquer mudança as pessoas ou as organizações desenvolverão a resiliência mais rapidamente e terão acesso a um número maior de abordagens, baseadas nesta habilidade, ao enfrentar qualquer adversidade. Entretanto, deve-se desenvolver a resiliência respeitando-se os traços e limites culturais, de tal maneira que eles possam se transformar em alavancas para a sua própria sedimentação no ambiente que se pretende implementá-la.


ALGUNS CAMINHOS PARA SE CONSTRUIR A RESILIÊNCIA

1. Incentive o bom relacionamento
Bons relacionamentos cultivam confiança e espírito de equipe. E estes são dois importantes ingredientes para o crescimento e a manutenção da resiliência em qualquer ambiente. Aceitar e dar ajuda, ouvir conselhos, fomentar a solidariedade e acreditar que a positividade vence os sentimentos negativos só fortalecem a construção da resiliência.

2. Evite encarar as crises como problemas insuperáveis
Os eventos desfavoráveis e altamente estressantes podem ser vencidos. Mas isto depende de como eles são encarados, interpretados, respondidos e gerenciados. Na verdade, deve-se buscar olhá-los além do momento crítico, a fim de se enxergar as saídas possíveis, as permitidas, as necessárias e as que têm tudo para dar certo, auxiliando-nos a superar as dificuldades presentes e já iniciando a construção de um futuro mais promissor. Há um pensamento popular que diz: “Enquanto há vida há esperança”. É um bom lema para não se desistir nunca.

3. Aceite as mudanças e as adversidades como coisas naturais da vida
Poucas situações têm resultados ou conseqüências tão rápidas no cotidiano das pessoas ou empresas quanto os momentos adversos. Aceitá-los como circunstâncias naturais da vida humana e do cotidiano das empresas pode facilitar no seu enfrentamento de maneira resiliente e equilibrada. No fundo, adversidades podem representar o fim ou o início de ciclos, os quais normalmente provocam mudanças, às vezes bem profundas.

4. Mova-se, sempre, na direção das soluções e dos objetivos principais
Trace e desenvolva soluções e objetivos factíveis. Aja com regularidade na execução de tarefas que o levem ao encontro das soluções dos seus problemas e da conquista dos seus objetivos. Ao invés de manter o foco nas tarefas, considere-as o melhor meio para atingir resultados mais promissores.

5. Tome ações decisivas
Aja com decisão sobre as causas das situações desfavoráveis. Tome e assuma decisões, sempre com o objetivo maior de conquistar dias melhores para você ou para a sua empresa, mesmo que sejam consideradas momentaneamente incômodas. Mas nunca deixe de caminha para frente, ao encontro de soluções factíveis para os seus problemas.

6. Busque novas oportunidades e descobertas
As pessoas e/ou as instituições normalmente aprendem um pouco mais sobre si próprios e/ou aumentam o conhecimento sobre a empresa quando sofrem perdas ou atravessam momentos difíceis. Alguns indivíduos ou empresas com espírito resiliente conseguem vislumbrar oportunidades e descobrir novos caminhos pessoais ou empresariais que os levarão a um futuro de sucesso.

O sofrimento provocado por grandes tragédias pode desencadear melhores condutas - tanto pessoais como organizacionais - fazendo com que os relacionamentos se aprimorem, as percepções se agucem, os conhecimentos aumentem e a informação flua de uma forma tal que as pessoas ou as empresas se tornam mais suscetíveis às oportunidades e à descoberta de novos caminhos.

7. Alimente confiança e positividade
Desenvolva em si próprio, em outras pessoas e na gerência das empresas a confiança e a positividade. A habilidade para resolver problemas passa pela confiança e por uma maneira positiva de agir para combatê-los. Os instintos, sentimentos e pensamentos afirmativos auxiliam em muito na construção de um ambiente resiliente.

8. Mantenha uma visão perspectiva
Mesmo sob sofrimento ou sob os efeitos de eventos traumáticos tente considerar o seu esforço de superação como o melhor meio para vencê-los. Para isto, mantenha uma visão perspectiva que o leve a enxergar o futuro com as dificuldades já superadas. Evite o curto prazo para conquistar o sucesso de novo. Lembre-se de que soluções duradouras normalmente são de médio e longo prazos. Esquive-se de manter os eventos negativos fora das proporções que eles realmente têm.

9. Mantenha a esperança de bons resultados
Olhar as situações sob uma ótica otimista lhe permite esperar bons resultados para as ações que estejam sendo implementadas na busca da superação das dificuldades. Tente visualizar o que você está buscando, independentemente de pensar se o que você (ou sua empresa) está passando é justo ou não. A questão maior é que a esperança é capaz de lhe fazer voar em céu de brigadeiro.

10. Cuide das pessoas e das empresas com responsabilidade
Esteja atento às necessidades das empresas e das pessoas. Tratá-las com responsabilidade é fundamental, pois podem envolver sentimentos e valores considerados importantes e essenciais pelos envolvidos em combater as adversidades ou para a Cultura Organizacional de uma empresa. Saber lidar com a saúde emocional das pessoas ou com a saúde gerencial das empresas torna as superações e as conquistas mais fáceis ou bem menos difíceis.

11. Caminhos alternativos para fortalecer a resiliência são sempre bem-vindos
Buscar meios de ouvir os que passam pelas mesmas dificuldades pode facilitar o encontro de caminhos alternativos para uma superação resiliente das suas adversidades. Há livros, filmes e outros meios de captação de informações sobre a matéria que podem ajudar a solidificar a resiliência na cultura. Algumas pessoas lançam mão de procedimentos como meditação e ajuda religiosa, os quais utilizados com responsabilidade e compromisso podem resgatar a autoconfiança e a esperança de um futuro melhor.

O IMPORTANTE É SEGUIR CAMINHANDO

Para resumir todo o assunto abordado neste texto, proponho que encaremos a resiliência como o faríamos durante a prática de raft, rio abaixo ou rio acima. Nesta hora, uma canoa descendo o rio defronta-se com curvas rápidas, com águas calmas e revoltas, com partes rasas e fundas, com longas quedas d’água, com pedras no caminho e outros obstáculos mais. Mas quem prática este esporte com regularidade mostra firmeza e perseverança para ultrapassá-los. Na vida pessoal ou organizacional ocorre o mesmo: uma heterogeneidade de ocorrências que vai do fracasso ao sucesso, e vice-versa, com a gravidade que o destino determina. E aí entra a resiliência como fator de superação e de conquista de novos triunfos.

Assim sendo, como na prática de raft o conhecimento e a experiência anterior ajudam bastante, na vida real a nossa jornada deve ser conduzida por planejamentos e estratégias que minimizem a possibilidade de algo dar errado. Ser resiliente antes de tudo é ser previdente.
Contudo, rio abaixo ou rio acima, a diferença está em como encaramos a situação: como desafio ou como dificuldade. A RESILIÊNCIA nos leva a encarar as dificuldades como DESAFIOS e, por isso mesmo, os resilientes são, na maioria das vezes, sinônimos de vencedores.

Incluir a resiliência no treinamento CRM em aviação talvez seja uma boa idéia. Afinal, o importante é seguir caminhando, desenvolvendo habilidades para superar as adversidades e as emergências, sempre em favor da Segurança de Vôo.

Espero ter passado um conceito positivo, uma sugestão, um sentimento, uma alternativa...



Fonte:
“THE ROAD TO RESILIENCE”
Uma publicação da American Psychological Association.

domingo, dezembro 02, 2007

QUAL A DIFERENÇA ENTRE A FADIGA E A EMBRIAGUEZ?

A Ciência, mais uma vez, avalia a fadiga
Baseado num artigo do Capt. Gavin McKellar - Chairman of IFALPA Accident Analysis Committee
Recentemente, mais um grupo de cientistas, agora australiano, fez uma pesquisa focada nos efeitos da fadiga sobre o ser humano, a qual foi publicada pela Revista TIME. O trabalho constatou que qualquer um que tenha que se manter acordado por 18 horas ou mais atinge um estágio de cansaço tal que passa a ter reações semelhantes a de uma pessoa em estado de embriaguez. Esta situação, transportada para a vida de um tripulante de vôos de longo curso, que seja casado, que tenha filhos menores em idade escolar e que seja responsável por inúmeras tarefas caseiras, torna-se alarmante.

Vamos tomar como exemplo, um piloto internacional que se enquadre no perfil acima descrito e tenha que acordar às 06:00h para levar seu filho ao colégio e permaneça o restante do dia cumprindo afazeres familiares até a hora de sair de casa para tripular um vôo intercontinental, o que normalmente acontece no início da noite.

Considerando que não haja a bordo um ambiente adequado ao repouso, com algum nível ruído e sem uma autogerência eficaz do descanso, feita pelo próprio piloto em questão, ele chegará à Europa ou aos Estados Unidos, após mais de 10 horas de trabalho, e quase 24 de privação do sono. Nestas condições, ele fará parte de uma tripulação que efetuará uma aproximação de precisão em um grande aeroporto, freqüentemente congestionado e algumas vezes sob chuva e neve, totalmente entregue à fadiga e enfrentando condições operacionais desafiadoras e requerentes de uma coordenação físico-mental equilibrada. Segundo o citado estudo australiano, um indivíduo chega neste momento sob condições semelhantes às provocadas pelo estado de embriaguez, sem ter bebido sequer uma gota de álcool. Chega por puro cansaço!

Será que este cenário não é relevante o suficiente para que a indústria leve mais a sério a questão da fadiga no transporte aéreo como fator de ameaça à Segurança de Vôo? Indiscutivelmente, ele o é. E por que não se faz nada? Possivelmente por implicar em novos investimentos relacionados aos lugares reservados para o descanso dos tripulantes a bordo, tornando-os mais adequados, e por ter que se repensar o número de membros das tripulações de longo curso.

Há vários artigos publicados a respeito dos efeitos adversos da bebida alcoólica para a condução de veículos automotores, do stress e, da mesma forma, da fadiga em todos os segmentos do transporte. Todos eles encorajam-nos a agir pró-ativamente na gerência destas questões no dia-a-dia profissional dos que lidam com esta atividade. Afinal, prevenção nunca é demais para a segurança operacional, especialmente quando o assunto é fadiga, dizem nos quatro cantos do mundo os médicos e os cientistas especializados na matéria.

Contudo, não há qualquer movimento pró-ativo e transparente no meio aeronáutico que nos leve a crer que a fadiga passe a ser considerada fator impeditivo para o envolvimento de tripulantes sob esta condição nas operações aéreas. A bem da verdade, este assunto é tão importante que não deveria ser unicamente de responsabilidade dos tripulantes. Pela sua relevância para a Segurança de Vôo, esta responsabilidade deveria ser compartilhada também pelos administradores das empresas aéreas e pelas Autoridades da Aviação Civil, de forma eqüitativa.

Um estudo baseado no banco de dados do Sistema de Reportes de Segurança da NASA revela que a fadiga pode ser considerada causa subjacente em inúmeros incidentes e acidentes aéreos, por ser comumente identificada nestes tipos de reportes.

É certo que a NASA possui o Alertness Management in Flight Operations Report e a AIRBUS o Coping with long range flying recommendations for crew rest and alertness publication. Por que será que estas duas instituições, pra lá de reconhecidas e respeitadas, preocupam-se com o descanso e com o gerenciamento do Alerta Situacional dos indivíduos que voam? A resposta é que, apesar da indústria de aviação proceder a uma resistência invisível para reconhecer a necessidade de se encarar a fadiga como fator de Segurança de Vôo, alguns dos seus segmentos o fazem indiretamente tentando passar instruções aos aeronautas e aeronavegantes para que eles possam gerenciar melhor o seu repouso e as suas condições físico-fisiológiocas para que o Alerta Situacional não seja comprometido durante as operações aéreas. Para mim, é o reconhecimento informal de que a fadiga traz riscos adicionais ao vôo. Falta uma pressão política maior da Comunidade de Segurança de Vôo para conquistarmos o reconhecimento formal.

Os detentores do poder gerencial na aviação devem ser evocados para discutir mais profundamente a matéria, inclusive utilizando os tripulantes como fonte de informações fidedignas para extrair deles todos os dados que possam auxiliar no banimento do estado de fadiga como ameaça à segurança das operações de vôo.

A identificação e o gerenciamento dos riscos no sistema de aviação são aspectos importantes para se garantir uma operação segura. Por isto mesmo, não é adequado o suficiente deixar somente nas mãos de um tripulante o julgamento dos riscos que ele pode agregar a um vôo por gerenciar inadequadamente a sua vida pessoal e o seu descanso. Há que ser uma ação coletiva.

A última dimensão do seminário CRM - Crew Resource Management, através do modelo TEM – Threat and Error Management, procura ensinar a importância do gerenciamento do erro humano e de suas ameaças. Erros ocorrem comumente, mas felizmente somente em algumas ocasiões eles fazem parte da corrente que leva a um acidente, na maioria das vezes por uma falha da equipe de vôo em gerenciar seus próprios erros e as conseqüências decorrentes deles. E a fadiga, por aumentar a probabilidade da incidência de erros humanos, ameaça o reconhecimento destes erros e a oportunidade de mitigá-los.

A privação do sono compromete de tal maneira o raciocínio lógico que o descanso passa a ser uma prioridade tão alta para o indivíduo que qualquer outra atividade que ele esteja fazendo torna-se secundária. E este é o momento de maior ameaça à Segurança de Vôo, quando a fadiga ocorre durante uma operação aérea. Dormir, nestes casos, passa a ser uma questão de sobrevivência. E frente a isto, nada mais importa, passando a ser impossível evitar o desligamento mental das atividades que estejam sendo praticadas.

Divulgam-se muitas estratégias pessoais para que os pilotos gerenciem o seu próprio sono, apesar de, no meu entendimento, todo o sistema de aviação necessite se envolver com esta questão para que a Segurança de Vôo seja privilegiada e haja aderência de todos os envolvidos com as melhores práticas para se evitar a fadiga.

Além disto, o órgão regulador deve assegurar regras claras que sirvam de base para o sistema conhecer como minimizar ou eliminar as conseqüências da falta do sono, auxiliando na construção de uma cultura preventiva relacionada com esta matéria.

O Dr. Robert Helmreich, psicólogo da Universidade do Texas, nos EUA, e chefe da área de pesquisa em Recursos Humanos na Aviação, diz que nas operações aéreas os erros não podem ser investigados somente como falhas humanas, tais como deslizes cognitivos e lapsos de identificação de situações de perigo, como o Professor James Reason, notável psicólogo especialista em aviação da Manchester University, da Inglaterra, cansa de abordar. Na verdade, diz o professor, os erros também (às vezes, principalmente) são decorrentes de problemas de manutenção, de excesso de trabalho imposto pela administração das empresas aéreas, de outras questões organizacionais, de agentes externos, do controle de tráfego aéreo, além da fadiga. Ele afirma que sempre há fatores latentes inseridos nos erros ativos. E tem razão.

Finalizando, quero dizer que a fadiga é um fator importantíssimo em qualquer tipo de atividade, mas no setor de transportes, especialmente na aviação, ela é tão grave que deveria ser apreciada com a constância e com a seriedade que uma ameaça à Segurança de Vôo, que ela pode se tornar, pede.

Espero que a Autoridade Brasileira de Aviação Civil passe a exigir do Sistema de Aviação seminários, congressos e workshops em número suficiente para que este assunto jamais deixe de fazer parte das discussões, tornando-se tema permanente no seio da Comunidade de Segurança de Vôo. E a comunidade brasileira de Safety precisa pressionar mais para que as coisas aconteçam.
Mudar esse quadro é fundamental.