quarta-feira, fevereiro 27, 2008

A PREVENÇÃO AO USO DE DROGAS PROBLEMÁTICAS NO AMBIENTE DE AVIAÇÃO

UM DESAFIO PARA TODO O SISTEMA


O uso inadequado de medicamentos ou qualquer outro tipo de droga, no transporte aéreo, é uma preocupação perene para as autoridades e os operadores do setor.

Por esta razão, certas instituições de classe, como a IFALPA, International Federation of Air Line Pilots Association, a qual representa mais de 100 mil pilotos em todo o mundo, encorajam um ambiente de Aviação Civil livre do uso de substâncias consideradas problemáticas. Entretanto, independente da ambiência, sempre há ou haverá alguém desenvolvendo o uso desses tipos de substâncias, seja por problemas de foro pessoal, seja pela pressão social que a vida contemporânea exerce sobre os indivíduos, ou por ambos.

É do conhecimento geral que quanto mais cedo se reconhece e se trata esse tipo de problema melhor será o resultado final obtido. Corroborando com esta afirmação, todos sabem que é unânime a opinião, por exemplo, de que se há um programa de prevenção ao alcoolismo sendo implementado, em uma organização ou em uma comunidade, o desenvolvimento do hábito do consumo de bebidas alcoólicas tende a se reduzir e o nível de sucesso dos tratamentos em curso também tende a aumentar.

A IFALPA declarou recentemente que, no seu ponto de vista, é assim que a questão deve ser abordada, no caso dos pilotos. Para a Federação, qualquer tentativa de se tratar o assunto profissionalmente deverá se basear em programas de prevenção capazes de reconhecer precocemente uma tendência ao uso abusivo de substâncias problemáticas. E estes programas também devem abrigar disparadores de processos de intervenção, com a finalidade precípua de se interromper o desenvolvimento de hábitos inadequados ligados ao uso de drogas nocivas à saúde, lícitas ou não.

Com o rótulo de “solução” para esse problema surgiu, há alguns anos, o teste randômico de reconhecimento do uso de drogas. Entretanto, na opinião da IFALPA, este tão propalado teste aleatório de detecção de drogas e substâncias problemáticas não previne o seu uso, nem auxilia a abandoná-las os que já as utilizam, fazendo dele um instrumento carente de eficácia e distante de se tornar uma solução para a questão.

Esta é a razão pela qual a IFALPA é totalmente contra a aplicação desses testes em pilotos, sem que um programa de orientação e apoio aos usuários e de recuperação dos dependentes seja paralelamente desenvolvido. O teste, isoladamente, só serviria para estigmatizar pessoas as quais já estariam sob o jugo de uma patologia, ou seja, sem condições de discernir entre o bem e o mal para a sua saúde. Vale ressaltar que muitos dos acometidos por essa doença certamente teriam plena capacidade de abandonar o uso das drogas, sob supervisão de especialistas, o que lhes daria a condição de serem reconduzidos ao trabalho produtivo, com grande chance de sucesso.

Entretanto, caso este teste venha a ser aprovado pelas autoridades e utilizado pela Aviação Civil de algum país, a IFALPA advoga que, independente do resultado, este não seja um ato punitivo, mas, ao contrário, seja um identificador daqueles que necessitam de tratamento apropriado. Faz-se necessário enfatizar que o uso e a dependência de substâncias problemáticas devem ser classificados como patologias, as quais requerem diagnósticos e tratamentos supervisionados, além de programas de reabilitação com vistas à recondução ao ambiente de trabalho dos profissionais recuperados.

A IFALPA declara que a aplicação do teste para detecção de substâncias problemáticas deve restringir-se aos processos de:

· Seleção;
· Investigação de acidentes;
· Retorno ao trabalho após o cumprimento de um programa de reabilitação, e;
· “Razoável suspeita de uso”.

Quanto ao último processo abordado, o de “razoável suspeita de uso”, deve-se ter critérios e procedimentos formulados por especialistas em medicina (clínico-geral, psiquiatra, psicólogo e outros), a fim de se tornarem válidos, informativos, educativos e tão transparentes quanto requer uma questão sensível como esta.

Outra face do uso de drogas problemáticas, extremamente nefasta, é o hábito da automedicação. Até porque, este hábito pode ser proveniente de uma patologia conhecida como hipocondria, que é a mania de se sentir doente e, conseqüentemente, de se tomar como correto o consumo de remédios sem orientação médica.

A maioria dos profissionais de aviação que se automedicam desconhece totalmente os efeitos colaterais das drogas que utilizam. Isto os deixa vulneráveis o suficiente para perderem a agudez da percepção, a normalidade de atuação dos sentidos e a consciência situacional durante a operação aérea, situações que podem transformar a automedicação em fator contribuinte para um incidente ou um acidente aeronáutico, especialmente no caso dos pilotos.

Desde um “inocente” relaxante muscular aos anti-histamínicos, antigripais, ansiolíticos, barbitúricos, analgésicos opiácios e seus derivados, há uma legião de medicamentos que pode influenciar o desempenho humano, notadamente quando este requer atributos individuais ligados à cognição e às habilidades técnico-motoras apuradas, como é o caso das exigências encontradas na atividade específica do aviador.

Tenha sempre em mente que, da mesma forma que comandar aviões é tarefa para pilotos habilitados e qualificados, a prescrição de remédios é tarefa exclusiva de médicos detentores de registro no CRM. Por isto, rejeite a automedicação e seja um ativo agente propagador desta idéia.
Por fim, o objetivo deste artigo é auxiliar no trabalho de prevenção de incidentes e acidentes aeronáuticos, já que o combate ao uso de drogas problemáticas no ambiente de aviação deve ser uma obrigação de todos que a ela estão ligados.

Ajude, você também, a combater o uso de drogas e a automedicação. O SIPAER - Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos - agradece.

sábado, fevereiro 09, 2008

AEROPORTOS

O Problema das Ocorrências de Solo, Incidentes e Acidentes de Rampa

As rampas dos aeroportos correspondem às áreas operacionais dos pátios de manobras, estacionamento e permanência de aeronaves. E em muitos sítios aeroportuários elas são áreas confinadas e congestionadas o suficiente para se tornarem espaços propensos a ocorrências de solo, incidentes e acidentes, eventos que, se ocorrerem, impõem um alto custo financeiro à indústria aeronáutica pelos prejuízos a pessoas e equipamentos que eles podem causar.

Quase todos os estudos e pesquisas relacionados com estes tipos de eventos levam-nos a concluir que além de normas, procedimentos e treinamentos adequados, uma mudança na Cultura Organizacional das companhias aéreas, das empresas de serviços auxiliares e das administrações aeroportuárias faz-se urgente, como forma de focar o trabalho coletivo e individual em ações preventivas e na criação de um sistema de segurança e vigilância apropriados, sempre buscando manter a integridade das pessoas e materiais que constroem o dia-a-dia do ambiente de rampa dos aeroportos.

Um dos estudos mais completos e interessantes sobre a questão que eu tenho conhecimento foi feito em 2004 pela FAA – Federal Aviation Administration. Ele englobou todos os eventos de rampa envolvendo as empresas aéreas comerciais americanas num período de 17 anos, de 1987 a 2003.

Analisando os dados, provenientes de várias fontes, os especialistas reafirmaram que esta questão é uma das mais preponderantes ameaças à Segurança Operacional nos aeroportos. Apesar disto, os entendidos em segurança aérea dizem que a questão não tem nem a atenção dos administradores nem a prioridade que merece no sistema, durante as discussões sobre Segurança Operacional. Para se ter uma idéia da dimensão do problema no âmbito da aviação, só no período que compreendeu o estudo, de 1987 a 2003, as companhias aéreas americanas desembolsaram, em média, 03 bilhões de dólares/ano para fazer frente aos prejuízos causados pelas ocorrências de solo, incidentes e acidentes de rampa em todo o país.

Mais de 700 eventos envolvendo 880 aeronaves foram estudados, incluindo 161 acidentes, nos quais 06 destas aeronaves foram totalmente destruídas e outras 132 foram substancialmente danificadas. E para agravar o quadro, houve um total de 18 fatalidades e 149 pessoas feridas, dentre elas 55 com gravidade. E o mais impressionante é que o estudo somente cobriu 2,5% de todos os eventos reportados nestes 17 anos de intervalo. Isto porque a análise foi feita somente com a parcela de dados que registrou as ocorrências mais graves envolvendo as aeronaves norte-americanas, as quais fazem parte de uma gigantesca frota nacional. Algo em torno de 75% dos dados foram tirados do próprio Banco de Dados da FAA, outros 21% do NTSB – National Transport Safety Board e os 04% restantes da OSHA – Occupational Safety and Health Administration dos Estados Unidos. Ressalta-se que esta última instituição, a OSHA, somente considera em seus registros os eventos ocorridos com aeronaves que não têm intenção de voar (em reboque, estacionadas, etc) e que não estejam tripuladas.

As análises mostraram que as principais causas dos eventos são a não aderência dos funcionários às normas e procedimentos e um treinamento inadequado de aeroviários e aeronautas. Segundo os especialistas, todas as ações corretivas, se não forem acompanhadas de uma mudança na Cultura Organizacional de Segurança Operacional das empresas envolvidas com a administração e com a operação aérea e aeroportuária, tornam-se inócuas.

Operações de Rampa
N
os Estados Unidos, a maioria das administrações aeroportuárias delega as ações de Segurança Operacional nas rampas aos arrendatários (terceirizados), transferindo obrigações e especificando o conjunto de responsabilidades em contratos de leasing ou através de outros mecanismos formais.

Geralmente, as grandes empresas aéreas têm seu próprio pessoal de rampa para a execução de atividades como o abastecimento, a limpeza e a reposição do serviço de bordo das aeronaves, o manuseio de cargas e bagagens, a orientação dos veículos e das aeronaves no pátio, o reboque de aviões para os hangares e a execução de pushback (posicionamento da aeronave no pátio para iniciar o taxi-out para decolagem). Contudo, nos aeroportos onde a presença do staff das companhias aéreas é reduzido, estes serviços são executados por outras empresas contratadas.

Tudo isto significa dizer que há uma enorme diversidade de aeronaves, equipamentos, veículos automotores e pessoas disputando tempo e espaço na área de rampa dos aeroportos durante as operações normais do seu dia-a-dia. Para agravar, também há que se incluir neste cenário as equipes-extras de manutenção para serviços maiores, os grupos de policiais federais, os fiscais alfandegários, os funcionários de empresas de construção civil (quando o aeroporto encontra-se em obras) e os agentes de segurança patrimonial e contra atos terroristas que, reunidos neste ambiente, aumentam significativamente a complexidade de uma operação de solo coordenada e segura.

Fatalidades e Ferimentos
G
rande parte dos eventos de rampa, os quais envolvem fatalidades e ferimentos graves, acontece durante a movimentação de saída das aeronaves, com destaque acentuado para as ocorrências com os aviões turbo-hélice. Para se ter uma idéia mais apurada da proporção, na contabilização de 30% das saídas, no período estudado, os aviões turbo-hélice envolveram-se em 50% das 18 fatalidades e 38% dos ferimentos graves.

Os dados abaixo mostram o perfil das conseqüências provocadas pelas ocorrências de rampa aos funcionários e aos usuários das empresas aéreas americanas no período estudado:


_____________________________________________________________________________
PASSAGEIROS
M_02 FL_13 FG_30

PILOTOS
M_01 FL_01 FG_02

COMISSÁRIOS
M_00 FL_05 FG_07

GROUND STAFF
M_15 FL_36 FG_55
_____________________________________________________________________________
TOTAL
M_18 FL_55 FG_94



1. M = Mortes / FL = Ferimentos Leves / FG = Ferimentos Graves
2. Os dados reproduzem a análise de 727 eventos de rampa no período compreendido entre 1987 e 2003.
3. Fonte: ICAO Journal.


As ocorrências ligadas aos passageiros têm como causas principais o mau posicionamento das escadas nas aeronaves, a desassistência dos usuários nas operações de embarque ou desembarque e a negligência do próprio passageiro durante a sua saída do avião, especialmente quando rejeita auxílio do staff de terra da empresa aérea, estando carregado de bagagens de mão.

Outros eventos, como a colisão dos Jetways (corredores sanfonados de embarque e desembarque) contra partes da aeronave e danos causados a equipamentos e pessoas pelo Jetblast dos motores (jato de ar proveniente da descarga dos motores a jato em funcionamento), também têm lugar de destaque, já que perfazem 5% do total de ocorrências. Este último, o Jetblast, chega a danificar prédios de terminal de passageiros, pequenas aeronaves e veículos automotores, jetways, hangares e contêineres (recipiente de aço para transporte de bagagens e carga nos porões dos aviões), além de ser uma ameaça constante ao pessoal envolvido com as operações de solo.

Conclusão

As áreas de rampa dos aeroportos podem ser locais extremamente congestionados e com espaços bastante confinados. A quantidade e a diversidade de aeronaves, veículos automotores, equipamentos e pessoas concentradas nelas podem criar um cenário vulnerável a eventos aeronáuticos indesejáveis. Tratar estes ambientes com atenção e prioridade, sob ininterrupta observação e governado por regras rígidas de disciplina operacional torna-se tão necessário quanto se pensar em colocar os aviões no ar sem avarias.

Os fatores causais das várias ocorrências observadas no estudo da FAA indica-nos que a Cultura Organizacional das empresas envolvidas também deve ser tratada com prioridade e respeito redobrados. Muitos aeroportos têm populações flutuantes de funcionários e usuários maiores do que as de muitas cidades de pequeno porte ao redor do mundo, o que os faz requerer administrações competentes, conscientizadas e comprometidas com os princípios básicos de Segurança Operacional.

Além disto, uma acurada rede de reporte de eventos, com registro em Banco de Dados confiáveis, torna-se primordial para uma boa análise de tendências, fator que facilita ações pró-ativas e preditivas, as mesmas que antecipam ações corretivas, elevam o alerta situacional do pessoal envolvido nas operações aeroportuárias e elevam a participação na prevenção de eventos indesejáveis, melhora a gerência do risco da atividade e mantém a Segurança Operacional em níveis altos.

Agências reguladoras, administrações aeroportuárias, companhias aéreas, empresas de serviços auxiliares de transporte aéreo e todo o corpo funcional envolvido nas operações aeroportuárias devem se unir para tornar a prevenção de ocorrências de solo, incidentes e acidentes de rampa fatos raros e sem conseqüências nefastas.

A Segurança Operacional depende muito da educação funcional das pessoas e dos administradores. Por isso, mãos a obra! O trabalho preventivo não pode parar.