quarta-feira, junho 11, 2008

A AVIAÇÃO CIVIL BRASILEIRA E UMA POLÍTICA DE CÉUS ABERTOS

Estaríamos conquistando problemas ou soluções?
Por Célio Eugênio de Abreu Jr.
Introdução
O
livro Handbook of Airline Marketing, editado pela Aviation Week Group em 1998, já abordava a questão relacionada com os Céus Abertos na América Latina de forma futurista. Nele se previa, inclusive, uma Aviação Civil sem fronteiras no Mercosul e o desejo das megacarries americanas de abocanhar uma grande fatia deste mercado promissor e em franco crescimento.

O tema Céus Abertos, nos dias de hoje, tem sido colocado na mídia de uma maneira pouco elucidativa e sem atrativos para uma discussão ampla e irrestrita, conforme cabe em um país democrático. Na minha modesta opinião, a sociedade brasileira ainda carece de conhecimento e informações suficientes no que concerne à Aviação Civil, nacional e estrangeira, para fazer juízo de valor a respeito dos prós e contras que uma decisão de abertura dos céus pode trazer.

Há um forte desejo do setor turístico do país em ver os céus do Brasil abertos, mas isto não pode nortear uma decisão de Governo que pode levar a parcela internacional da nossa Aviação Civil ao risco de experimentar um ambiente de terra arrasada em curtíssimo espaço de tempo. Seria uma tomada de decisão sob pressão e sustentada por uma visão monocular, num setor que tem influências multisetoriais, além de complexidade, variância e dinâmica próprias.

Sob o olhar externo
A grande crise pela qual passa a Aviação Civil dos Estados Unidos neste momento transfere o foco de sua atenção para países como o Brasil, a Índia e a China, com economias em franca ascensão, PIB com vistosos crescimentos e com um mercado de transporte aéreo ainda por ser mais bem explorado, na busca por lucratividade e domínio mercadológico em regiões do planeta que a atividade aérea ainda está longe de estruturar-se plenamente. Isto pode explicar, em parte, a força deste assunto na nossa mídia neste momento.

Uma Política de Céus Abertos leva o mercado a vivenciar brigas de gigantes contra nanicos, se levarmos em conta a receita em dólares americanos das companhias aéreas. No Brasil, qual seria a empresa aérea que disputaria em receita com uma British Airways, uma Delta Airlines, uma Air France/KLM, United Airlines ou uma American Airlines, gigantes que faturam mais de 20 bilhões de dólares/ano? Certamente nenhuma empresa nacional tem esta condição, até porque muitas das estrangeiras, especialmente as americanas, usufruem de benefícios governamentais que as companhias aéreas brasileiras não possuem.

Tradicionalmente, para os operadores aéreos internacionais, tanto a conquista como a consolidação de posições no disputadíssimo mercado de Aviação Civil normalmente é proveniente de processos lentos e graduais, os quais, não raro, demandam anos e anos para se transformar em realidade, e qualquer ação que altere repentinamente a política de regulação do setor, como é o caso dos Céus Abertos, pode causar profundos traumas ao sistema, podendo levar a soluções de continuidade e/ou ao enfraquecimento e fechamento das empresas concessionárias, as mesmas que têm a responsabilidade de representar com qualidade o Estado no papel de transportador aéreo público.

Uma das conseqüências mais comuns ocorridas nos países que adotaram Céus Abertos é a perda da identidade das empresas de bandeira, adquiridas por outros países, o que provoca uma transferência de divisas para o exterior que reflete negativamente na economia dessas Nações.

É inegável a importância da atividade aérea para a economia nacional e os benefícios que o modal aéreo traz para a vida cotidiana do cidadão, ao analisarmos a aviação pelo prisma de um transporte que pode ser massificado. Mas, infelizmente, esses temas são pouco explorados e somente os especialistas detêm o seu conhecimento, o que torna difícil um debate mais amplo da questão.

Na maioria dos países a aviação internacional é regida por acordos bilaterais, os quais determinam regras e limites para a ligação aérea entre nações, respeitando-se as características continentais, as sócio-culturais, as desigualdades de poderio econômico, a capacidade instalada da infra-estrutura aeroportuária e de navegação aérea e o princípio da reciprocidade. Até agora, corretamente, o Brasil tem se relacionado deste jeito.

Outras considerações
O mercado de aviação tem tanta sensibilidade aos percalços globais que o torna, de uma hora para outra, volátil o suficiente para experimentar problemas sérios. Entretanto, esta situação é de difícil percepção para quem não vive neste segmento econômico. Para se tentar novas fórmulas de competição no setor aéreo, por exemplo, há que se fortalecer a sua estrutura. E o princípio dos Céus Abertos é uma dessas fórmulas que só podem ser experimentadas, quando próprio, em Sistemas de Aviação Civil fortes, maduros, estabelecidos e robustos.

Na verdade, uma Política de Aviação Civil consistente, com objetivos claros e transparentes para todo o sistema faz-se extremamente necessário. Se bem formulada, a política em questão auxilia o equilíbrio sistêmico, permitindo que o mercado possa verificar tendências e fazer previsões mais acertadas, efetuando planejamentos de curto, médio e longo prazos factíveis, os quais têm a virtude de facilitar o cumprimento de metas e objetivos da atividade. Não há exploração comercial, regulação, fiscalização, nem muito menos uma vigilância continuada, apropriadas ao setor, sem uma política que norteie a todos os stakeholders e os mantenha dentro de um escopo definido de atuação.

A prosperidade no setor aéreo depende de muitas variáveis, muitas delas nascidas em países e ambientes distintos ao da aviação. Rememorando o passado recente, constatamos que a aviação mundial foi afetada por eventos como os da gripe aviária, terremotos, tissuname, furacões, ciclones, vulcões, guerras, terrorismo e recessão em países do desenvolvidos, para citar alguns.

Uma das expressões mais controversas quando se fala em Céus Abertos no transporte aéreo internacional é a Aviação de Cabotagem. A Convenção de Chicago, de 1944, que a trata como 9ª liberdade, diz o seguinte no seu ARTIGO 7º:

Cabotagem
“Cada um dos Estados contratantes terá o direito de negar às aeronaves dos demais Estados contratantes permissão para tomar em seu território, contra remuneração ou frete, passageiros, correio ou carga destinados a outro ponto de seu território. Cada um dos Estados contratantes se compromete a não estabelecer acordos que especificamente concedam tal privilégio a título de exclusividade a qualquer outro Estado ou a uma empresa aérea de qualquer outro Estado, e se compromete também a não obter de qualquer outro Estado algum privilégio exclusivo desta natureza”.


Assim, nota-se que a própria Convenção veda a concessão unilateral de privilégios de cabotagem a empresas ou países específicos. Seriam aceitos, portanto, acordos (bi ou multilaterais) que respeitem o princípio da reciprocidade, bem como a abertura geral do mercado.

Contudo, não é somente a cabotagem que influencia esta questão. O princípio básico da falta de acordos na abertura de céus libera o uso do espaço aéreo de tal forma que sempre ganham a melhor fatia do mercado de passageiros e cargas as maiores e mais poderosas empresas de aviação. Na verdade, como já apontado anteriormente, esta briga deveria ser exclusividade dos semelhantes, ou seja, daqueles (países e companhias aéreas) que têm poder equivalente, até porque a disputa entre empresas aéreas fortes e fracas é tão desigual que não fica difícil prever que as mais poderosas sempre saem vencedoras e as outras chegam à beira do fim, senão ao próprio. Os países e as empresas mais fortes sempre serão privilegiados. A bem da verdade, a cabotagem é o grau mais elevado de abertura de um mercado à concorrência extraterritorial.

A prática de Céus Abertos entre os EUA e a Europa: os problemas já emergem
A partir de março de 2008, começou a vigorar o Tratado de Céus Abertos entre os Estados Unidos e a Europa, e o conseqüente fim dos acordos bilaterais entre eles, fato que liberou as empresas de ambos os lados a realizar quantos vôos desejarem ligando uma região à outra.

Mesmo com o aparente equilíbrio de forças que há entre estas regiões e suas empresas aéreas, os problemas já estão surgindo. A British Airways, tradicional empresa britânica, simplesmente desconsiderou a existência de suas co-irmãs européias e tenta costurar um acordo de cooperação internacional com a American Airlines e com a Continental, duas gigantescas empresas do mercado americano de aviação, numa clara tentativa de conquistar supremacia na lucrativa rota transatlântica entre os EUA e a Europa.

E somente o anúncio desta tentativa de acordo já gerou reação: a Virgin Atlantic, empresa do mega-empresário Richard Branson, protestou contra a situação, prometendo combater a idéia utilizando todos os seus recursos. O CEO da Virgin Atlantic alega que este acordo é anticompetitivo e vem de encontro aos interesses tanto dos usuários ingleses como dos americanos. Na prática, este tríplice acordo reduziria a competição sobre o Atlântico Norte, o que é considerado nocivo ao interesse público, na opinião de Branson.

Outro sinal de destruição atribuído ao Tratado de Céus Abertos EUA/Europa foi a suspensão das atividades da companhia aérea britânica Silverjet que, após 16 meses de operação na rota London/New York City, oferecendo vôos especiais a executivos, não suportou a pressão da poderosa concorrência das megacarries de superfaturamentos.

Conclusão
H
á que se ter cuidado com a implantação de um regime de Céus Abertos em mercados de Aviação Civil, em qualquer parte do mundo, notadamente em regiões que concentram um alto número de países em desenvolvimento, como é a América Latina. O espírito de globalização que vem tomando conta do planeta há alguns anos, não é uma panacéia, não deve ser aceito em muitos setores da economia e não vai salvar o Universo de todos os seus males.

A Aviação Civil, pela sua sensibilidade, necessita de segurança regulatória, operacional e econômica apropriadas, a fim de poder prosperar de forma sustentada e oferecer ao usuário, o real beneficiário deste bem público que é a concessão de linhas aéreas, serviços de qualidade que garantam ao país um transporte aéreo que permita ajudá-lo a se tornar uma Nação independente, próspera e respeitada no cenário internacional.

Enfim, com uma Política de Céus Abertos estaríamos conquistando problemas ou soluções? Para mim, somente problemas.

segunda-feira, abril 28, 2008

ATM – Air Traffic Management

O sistema “pede” uma revisão no conceito de soberania do espaço aéreo
por Célio Eugênio de Abreu Júnior
Há muito que se comemorar na indústria de aviação. Desde a realização do sonho de voar, há 100 anos atrás, e do advento da aeronave a jato, há 50 anos, este setor vem sendo responsável por 32 milhões de empregos e movimenta 3,5 trilhões de dólares americanos na atividade econômica mundial. Os seus registros de Segurança Operacional causam inveja à maioria das atividades críticas em Safety Management ao redor do mundo. As projeções de crescimento do número de passageiros a transportar são promissoras, saindo dos atuais 02 bilhões para 2.5 bilhões/ano em 2010, com expectativa de se atingir 4.5 bilhões/ano em 2025.

Sem medo de errar, podemos afirmar que a aviação sustenta a economia global nos dias de hoje. Contudo, os congestionamentos, os atrasos e as questões ambientais ameaçam se tornar o calcanhar de Aquilles da atividade, a menos que se faça algo diferente.

O foco da indústria – empresas aéreas, aeroportos e provedores de serviços de navegação – tem que ser o de aumentar a eficiência e o de implementar a performance operacional. Todavia, isto não será suficiente. Nem o investimento em infra-estrutura trará tranqüilidade ao setor, tendo em vista o explosivo crescimento previsto para ele.

Assim sendo, o ATM – Air Traffic Management – para tratar da Segurança Operacional e dos congestionamentos nos céus, vai requerer mudanças de paradigmas na forma de se prover os serviços de navegação aérea, para permitir uma maior eficiência no uso do espaço aéreo.

O Sistema ATM do futuro necessitará ser baseado em satélites e centrado nas aeronaves, de forma a voarem bem mais próximas uma das outras e em rotas mais curtas e diretas, mantendo-se um ambiente operacional harmonioso e seguro. Neste novo ambiente de vôo, intensivo em informação, o controle de tráfego aéreo tornar-se-á menos intervencionista na hora de ordenar e coordenar as aeronaves, permitindo, o máximo possível, a liberdade, a eficiência e a efetividade na operação e na organização do espaço aéreo.

Então, o que pode travar este progresso? Surpreendentemente, muito do que se necessita fazer já foi feito e aceito pela ICAO – International Civil Aviation Organization. Os problemas, agora, começam com a resistência dos seus Estados-membros em aceitar uma compreensão mais amadurecida do que é soberania do espaço aéreo.

Soberania refere-se ao direito exclusivo das decisões e do controle político do Estado sobre o seu território e sobre o espaço aéreo acima dele. É considerado um ato de soberania a propriedade deste espaço aéreo e as decisões relacionadas com a maneira que os serviços de navegação aérea nele são providos. Porém, o Gerenciamento do Tráfego Aéreo (ATM), hoje em dia, é extenso o suficiente para atravessar fronteiras nacionais, mas a obsessão dos países por uma noção de soberania própria, e quase imutável, torna-se uma barreira para o aprimoramento e para a eficácia deste gerenciamento.

A iniciativa européia em não fragmentar o espaço aéreo para melhorar a performance do ATM, via criação de Blocos Funcionais de Cruzamento de Fronteiras nos céus europeus, tem caminhado progressiva, mas lentamente, por culpa das políticas de soberania. Nos Estados Unidos, o ATO (Air Traffic Organization) da FAA – Federal Aviation Administration – continua sem uma fonte independente de receita, e os fundos para a implantação de novas tecnologias no Sistema de Controle do Espaço Aéreo parecem que não serão obtidos com facilidade devido ao sentimento do Congresso Nacional americano de que é dele a soberania para gerenciar os serviços de navegação aérea. A tragédia das torres do WTC, em 11 de setembro de 2001, ainda tem muita influência neste tipo de resistência.

A visão da CANSO – Civil Aviation Navigation Services Organization – a respeito de um Sistema de Aviação integrado, equilibrado e interoperativo é de que este é muito dependente de uma compreensão amadurecida do conceito de soberania adotado por cada Estado. Bem atender a demanda do usuário, com um Serviço de Navegação ininterrupto e sustentado por um ambiente operacional amistoso e harmônico, pede liberdade. E este entendimento não requer qualquer tipo de apêndice à Convenção de Chicago, segundo Alexander ter Kuile, Secretario Geral da CANSO.

Dentro da ICAO há consenso de que o ATM precisa ser organizado funcionalmente. Igual força consensual também tem a idéia de que o espaço aéreo global requer uma organização sustentada além dos limites das fronteiras nacionais, consubstanciada e delineada nas exigências operacionais e na natureza da estrutura do tráfego em rota de cada país.

Autonomia para os Air Navigation Services Providers (ANSP) – Provedores de Serviços de Navegação Aérea –, e sua separação da função de supervisores da regulação do setor, também é bem definido no material-guia da ICAO. É evidente que uma maior autonomia operacional e financeira para a ANSP deve ser encorajada, sob uma abordagem de negócio, a fim de se conquistar uma melhora na qualidade dos serviços. Posterior a isto, será necessária a criação de um guia de cobrança pelos serviços prestados, permitindo aos provedores de serviço de navegação aérea a recomposição dos seus custos.

Na verdade, o ATM deve ser liberado para organizar e operar de maneira tal que permita o seu aperfeiçoamento, num ambiente mais harmonioso, seguro, eficiente e com um custo-benefício mais apropriado. A indústria da aviação, que vem sendo um dos sustentáculos do processo de globalização, deve considerar, com seriedade, a sua própria globalização através da ampliação consensuada das fronteiras do Air Traffic Management.

Dentro desta filosofia, torna-se evidente a necessidade de revisão dos conceitos de governança internacional da Aviação Civil. É tempo do sistema se liberar de antigos paradigmas, os quais têm embutidos noções e situações de relevância que serviram de base para a aviação do século passado, e que não servem mais para a atual. Há que se iniciar este processo pela adoção de um entendimento mais amadurecido do conceito de soberania dos Estados sobre os seus espaços aéreos, a fim de que a Gestão do Espaço Aéreo, no Sistema de Aviação Civil do novo século, possa estar totalmente alinhado com as realidades política, econômica e social do atual mundo globalizado.

Devemos estar atentos para um importante detalhe: nenhum sistema complexo, tal qual o da aviação, pode operar com harmonia, tendo de um lado idéias e conceitos supra-estatais modernos, e do outro lado uma prática operacional defasada por não acompanhar a modernidade que a globalização requer.

Os Estados-membros da ICAO e a indústria da aviação, em muitas questões, ainda estão se movimentando com “velocidades” díspares. Algo deve ser feito, com celeridade, para que os “ajustes de velocidade” sejam feitos com a precisão que os tempos atuais estão exigindo, e antes que a defasagem seja tão acentuada que torne o trabalho de ajuste mais difícil.

Baseado em artigo do ICAO Journal Vol. 63, No 1

sexta-feira, abril 25, 2008

CULTURA ORGANIZACIONAL NA AVIAÇÃO CIVIL BRASILEIRA

A busca da Cultura Produtiva: O estado-da-arte
por Célio Eugênio de Abreu Júnior


Introdução
A questão cultural ainda é fonte de inúmeras discussões e de pesquisas científicas, requerendo a atenção de especialistas em comportamento humano.

Werner Jaeger, por exemplo, um dos estudiosos da matéria, definiu cultura como um modo consciente e praticado de princípios formativos do homem e de seu espírito. Considerou-a como sendo a educação representativa do sentido de todo o esforço humano e a totalidade das manifestações e formas de vida de todos os povos da terra, incluindo-se os primitivos.

Como Jaeger, outros autores, ao redor do mundo, já definiram cultura e vem alertando, através dos tempos, sobre a sua importância no âmago de qualquer sociedade, especialmente as que dependem de desempenhos coletivos para conquistar os seus objetivos.

É certo que ela sempre será um fato inexorável no meio dos grupos sociais, independente das vontades e dos desejos. Por isso, ou se constrói uma cultura ou ela se auto-constrói, muitas vezes sem governo ou direção. E é a partir deste ponto que a Cultura Organizacional, como fonte de vida para todas as empresas, deve ser discutida, a fim de conquistar a merecida atenção. E, assim, a proposta deste artigo, é direcionar o foco das discussões para as organizações que integram o Sistema Brasileiro de Aviação Civil, porquanto, dentre elas, a culturalidade ainda alimenta retrocessos e falta de modernidade funcional.

No Brasil, apesar dos avanços tecnológicos, e alguns outros no nível gerencial, muitas empresas aéreas acreditam que a sua Cultura Organizacional vai sendo construída sem projetos, sem planejamento, sem coordenação, sem capacitação, sem motivação, sem gerência especializada e sem investimentos em recursos humanos e sociais. Em suma: sem uma moderna Gestão de Pessoas, ágil e competente na assessoria da Gestão Administrativa. Com isto, é perdida a percepção de que a Cultura Organizacional é edificada por paradigmas valorativos estruturantes, capazes de determinar o rumo das relações internas e externas da instituição e, igualmente, o rumo dos seus negócios num mercado competitivo.

A aviação é um bem público, e como tal deve ser tratado. Por isso, espera-se das organizações integrantes do Sistema Brasileiro de Aviação Civil um investimento planejado em recursos humanos, ação esta que dá qualidade à prestação dos serviços aéreos e produtividade ao capital investido. Procedendo assim, estas organizações ainda provocam o aumento do nível de satisfação do usuário deste modal de transporte, transformando-o em cliente co-mantenedor da boa saúde econômica do setor.

Visão Histórica
A cultura, como ciência, passou a ser estudada nos séculos XVIII e XIX, ocasião em que os europeus observaram comportamentos inusitados entre os povos polinésios e no meio da casta dominadora do Império Chinês, grupos que passaram a ser qualificados de irracionais, no Velho Continente. Para os europeus, tudo fazia crer que havia algo diferente e incompreensível nesses ambientes sociais, o que levava os seus integrantes a manter um estilo comportamental pouco aceitável para os padrões da época.

Anos depois, já na década de 70, Cleverley dizia: “O homem como administrador, tal como em qualquer outro contexto, é um ser irracional” (CLEVERLY, Graham - 1971 – Managers and Magic; Longman Group Ltd, London, pág. 5).

Esta afirmação tem a propriedade de, em primeiro plano, levar-nos a perceber o grau de importância que a administração organizacional tem para as pessoas, quando reunidas em sociedades de qualquer espécie. E no plano secundário, nos permite o entendimento do porquê de cuidados específicos com os comportamentos sociais em estruturas grupais, tendo em vista que eles, os comportamentos, são os maiores responsáveis pela integração ou desagregação intra corpore e pela criação dos limites da boa convivência, os quais, se reconhecidos e respeitados, facilitam a construção de uma cultura que leve à conquista dos objetivos institucionais comuns.
Historicamente, a aplicação do enfoque antropológico nas organizações explica a Cultura Organizacional como conseqüência de atos coletivos que trazem benefícios a todos e que, quando canalizados para a produtividade, resultam em satisfação profissional, além de implementar a eficácia e a lucratividade da atividade empresarial.

Resistência, rejeição e inadaptação são algumas das palavras que a tentativa de se fazer mudanças na Cultura Organizacional faz emergir do vocabulário humano, notadamente nas instituições com alto grau de corporativismo. Porém, o homem, por natureza, sempre clama por ações evolutivas, expressão que presume tanto uma intra como uma intercomunicação efetivas, flexibilidade de raciocínio e comportamental, além da busca pelo movimento como forma de manter as organizações em sintonia permanente com a realidade. E a aviação, naturalmente, vive do movimento e para o movimento, e assim deve ser compreendida para que se mantenha como atividade econômica essencial e estratégica. Entretanto, isto a faz refém de Culturas Organizacionais Produtivas, as que têm na evolução o seu paradigma valorativo estruturante, sob pena da perda do rumo correto e do descolamento do mundo real.

Nas discussões contemporâneas, a experiência histórica ajuda a trazer à tona, e a inserir na formação cultural das organizações, a rediscussão de elementos culturais centrais, como a livre iniciativa, a competição e o alto risco de um negócio, quando ele só está voltado para o lucro.

Na verdade, no meio aeronáutico, o que a administração das organizações deve aprender é o modo cultural de se lidar corretamente com a dicotomia que a atividade aérea traz à tona: a excelência técnica ou a excelência no gerenciamento de pessoas e recursos? Ambas, responderia um especialista em Recursos Humanos, moderno e atualizado, pois a aviação exige mobilidade.

Então, o desafio é conquistar o equilíbrio. Afinal, desequilibrada, a Cultura Organizacional realmente passa a ser um problema, quando deveria ser a solução.

Buscando o Estado-da-Arte: A Cultura Produtiva
O objetivo deste texto, então, é apontar um caminho para que as estruturas organizacionais combatam os fatores que as afastam de uma Cultura Organizacional Produtiva, deixando de acompanhar a evolução natural das coisas.

Os especialistas consideram a Cultura Organizacional Produtiva capaz de transformar possibilidade em realidade, pela sua flexibilidade e aceitação consciente, natural e ordenada, de paradigmas, valores e princípios básicos, os quais, disseminados no seio do grupo administrativo-funcional, constroem e sustentam o sucesso empresarial, especialmente num ambiente complexo como o aeronáutico.

A Cultura Organizacional Produtiva aceita várias subculturas e vive da compreensão correta da missão organizacional pelo grupo funcional, facilitando o seu cumprimento através de uma atuação profissional integrada e complementar, que evita desvios intencionais dos projetos e processos em andamento ou já implantados, pelo simples fato de todos estarem comprometidos com o bom resultado empresarial.

Esta cultura trabalha com o oferecimento ao grupo funcional da opção de ser o agente do sucesso organizacional, ao permitir-lhe buscar a gerência adequada das diversas situações cotidianas, pela sua capacitação e competência, na certeza de que os atos equivocados, que porventura ocorrerem ao longo dos trabalhos, não serão tratados de forma punitiva. Em primeiro plano os erros serão gerenciados, para evitar conseqüências indesejáveis, posteriormente servindo de aprendizado para atitudes preventivas no futuro. É a Cultura Justa agregando-se à Produtiva, como uma de suas subculturas. O investimento nos Recursos Humanos, para se atingir este estágio, torna-se essencial.

Todavia, há que existir uma forma de acompanhamento e ajuste às várias mudanças ocorridas no processo evolutivo da vida humana e da vida organizacional para se construir uma Cultura Organizacional que leve ao sucesso.

E a resposta ao questionamento feito a seguir, talvez ofereça a possibilidade de entendimento dos caminhos a serem seguidos para se chegar ao estado-da-arte: uma Cultura Produtiva.

Mudança de Cultura ou Cultura da Mudança?
U
ma organização, ao transformar-se numa cultura, cria um conjunto de ações relativas ao seu posicionamento externo, à sua coordenação interna, ao seu caráter ideológico, ao seu padrão comportamental e à forma de gerência dos seus recursos, os quais proporcionam e determinam a sua sobrevivência, a sua manutenção e o seu crescimento.

Estas ações são executadas, testadas e avaliadas. A partir daí, são retidas e transmitidas, socialmente, como o modo adequado de se tratar as questões de ajustamento externo e relacionamento interno. Ou seja, torna-se o padrão desejável e recomendado de pensar, de agir, de sentir, de fazer e de ser, no ambiente institucional. É a Cultura Organizacional no comando das ações funcionais na empresa.

Decisões em ambientes organizacionais complexos, como o da aviação, devem ser simples, claras e objetivas, para que não venham a ser consideradas um problema a mais. Aliás, intra corpore, a cultura nunca dever ser vista como um problema, sob pena da criação, silenciosa, de uma subcultura negativa, a informal, a qual não vai ao encontro nem das expectativas nem dos objetivos da empresa, por estar baseada em desvios da cultura formal.

Para que possamos responder a pergunta em epígrafe – Mudança da Cultura ou Cultura da Mudança? – devemos compreender as razões pelas quais temos que nos preocupar com a Cultura Organizacional, a fim de resgatarmos a figura dos fenômenos culturais e comportamentais na história do homem, buscando verificar porquê, como e quando este homem aceitou rever a sua cultura e, conseqüentemente, o seu comportamento individual e/ou coletivo frente a essas mudanças históricas.

Permanência & Mutação
A visão moderna e antropológica da Gestão de Pessoas, ao buscar entender esses fenômenos, define que a mudança é o estado próprio de ser das coisas, dos indivíduos, dos processos, dos lugares e, enfim, do mundo (grifos do autor). Isto provoca o estabelecimento de um binômio indissolúvel, de permanência e mutação, que proporciona uma situação de segurança no constante mudar, caracterizador da Cultura da Mudança, aquela que evitará a constante Mudança da Cultura, esta sim, a que sempre carrega em seu bojo alguns estados emocionais como o de medo, de insegurança, de frustração e de raiva acompanhadas de todas as suas conseqüências danosas.

Na atividade aérea a profunda familiaridade com todo e qualquer tipo de mudança – de pessoas, de local de trabalho, de aeronaves, de processos, de produtos, de chefes, de organogramas, de país, de fuso-horário, etc. – é uma constante. Afinal, na aviação o mudar é permanente. A falta de mudanças na atividade aeronáutica deve ser motivo de estranheza. E é nisto que as empresas ligadas a este tipo de atividade devem se basear para construir a Cultura da Mudança, na certeza de que nela encontrarão a desejável conectividade com a realidade cotidiana e com a verdade mercadológica as quais vivem em mutação evolutiva e as oferecem os sinais corretos para as devidas correções de rumo e rotas, na permanente busca de novos horizontes, situação tão comum nos vôos alçados pelas aeronaves comerciais.

Entretanto, a Cultura da Mudança não se constitui somente das coisas que se alteram. Ela também tem fundamento na permanência (grifo do autor), quando trata do conhecimento e da preservação do produto que a empresa oferece, do seu processo de produção, da sua qualidade, das relações de respeito profissional e dos bens intangíveis, como a Segurança Operacional, no caso da aviação. Há coisas fundamentais que devem ser mantidas no espectro da permanência, por levar aos clientes internos e externos a sensação de que há competência e segurança na empresa que depositam sua confiança. E, não muito raro, até transcendendo estes aspectos, pois quando a bordo dos aviões de carreira os clientes acreditam estar entregando as suas próprias vidas aos que estão no comando dessas aeronaves. Vale lembrar que, para o universo das pessoas, não é válida a realidade dos fatos, mas, sim, como eles são vistos e percebidos por elas. (grifo do autor)

Na Cultura da Mudança, dado que o substrato emocional é garantido – as relações de pertinência, de inclusão, de auto-respeito, de comunhão de valores, de entendimento dos objetivos comuns, da compreensão do que é individual e/ou coletivo – não há porque se apegar às condições materiais e concorrências internas, normalmente destrutivas, desagregadoras do grupo funcional e provocadoras do afastamento da organização de uma percepção mercadológica correta, fatores primordiais para a manutenção da sua conexão com a realidade cotidiana de sua atividade fim.

Numa situação organizacional como esta, a da construção de uma Cultura da Mudança, observa-se uma grande flexibilidade na resposta às mudanças nos ambientes externos – mercados, sociedade, governos – atingindo-se um estado de adaptabilidade superior ao de uma simples adaptação, a qual presume, inicialmente, uma resistência ao novo.

A adaptabilidade, ao contrário da adaptação, consiste na condição de reorganizar-se, constante e continuamente, diante de incentivos e constrangimentos que são provocados pelo meio-ambiente externo, proporcionando um nível ótimo de trocas com ele, situação que oferece harmonização e equilíbrio rápidos, entre os meios interno e externo, garantindo a perenidade da organização através das práticas de sedimentação de uma Cultura da Mudança.

A Cultura da Mudança requer uma moderna e eficaz assessoria de especialistas em Gestão de Pessoas, que ensine a quem tem nas mãos a Gestão Administrativa os caminhos da harmonia funcional, intra e intergrupal, freqüentemente atrelada a vícios gerenciais ultrapassados.

Conclusão
A sobrevivência e a evolução da espécie humana é mais bem compreendida quando pressupomos um processo conjunto de transformações culturais, biológicas e ambientais. E é através do comportamento cultural que a espécie humana relaciona-se com o meio ambiente e, nele, modifica sua biologia e reavalia sua cultura e o seu próprio habitat, o que, por si só, já valida todo e qualquer processo mutacional.

A Cultura Organizacional, quando baseada em princípios sólidos de respeito, valores e crenças individuais e/ou coletivas, compreendidas e aceitas pelo grupo social que a compõe, tem o apoio necessário para a construção de uma Cultura da Mudança, pois esta sabe distinguir permanência de mutação, abrindo espaço para o acompanhamento da evolução organizacional, tal qual ocorre com o mundo real, aquele que a espécie humana é dependente e que a obriga a aceitar a sua mutação para nele bem viver.

Abrir espaço para a Cultura da Mudança, enfim, é o passo inicial para se construir uma Cultura Produtiva, esta sim o necessário combustível para que as organizações ligadas ao Sistema Brasileiro de Aviação Civil possam alçar vôos cada vez mais altos e seguros. Enfim, que se busque, incessantemente, o estado-da-arte em termos de Cultura Organizacional. Com isto, todos sairão vencedores.

segunda-feira, março 03, 2008

AUDITORIAS DE SEGURANÇA OPERACIONAL DA ICAO

A HORA E A VEZ DO DEVER DE CASA
por Célio Eugênio


A Conferência de Diretores Gerais de Aviação Civil, ocorrida em Montreal em março de 2006, patrocinada pela ICAO (International Civil Aviation Administration), teve entre os seus objetivos principais a formulação de uma estratégia global para a Segurança da Aviação Civil no Século 21. A aceitação de uma ferramenta mais acurada de aferição do nível de Segurança Operacional tomou corpo e vulto na Conferência, especialmente porque há países nos quais a prática da vigilância operacional ainda não tem muito eco.

Como conseqüência desse evento, a maioria dos signatários da Convenção de Chicago de 1944, membros da ICAO, responderam positivamente à proposta de se divulgar no portal público desta organização internacional, na Internet, o Programa de Auditorias Universais de Supervisão da Segurança Operacional (Universal Safety Oversight Audit Programme – USOAP) e seus resultados.

Como a transparência e o intercâmbio de informações de safety são atributos fundamentais para se manter um sistema de transporte aéreo seguro e eficiente, esta atitude dos Estados-membros veio somar-se ao esforço de aprimoramento do Sistema de Aviação Civil Internacional.

É certo que a divulgação dos resultados das auditorias da ICAO, levadas a cabo ao redor do mundo, vai expor as mazelas dos que não cumprem o que recomenda a organização. Mas, na verdade, caro leitor, não se pode mais ser complacente com baixos índices de Segurança Operacional, independentemente da importância política do país no contexto global, da sua posição geográfica e das suas condições econômicas para manter seu espaço aéreo, notadamente se este espaço aéreo for de relevância internacional e controle um grande fluxo de aeronaves.

O fortíssimo crescimento da Aviação Civil nos últimos anos vem requerendo, cada vez mais, bons planejamentos, inteligência ao implantá-los, disciplina na condução dos procedimentos operacionais e uma boa gama de determinação e de ousadia na execução de programas de prevenção de incidentes e acidentes aeronáuticos, de treinamento, de capacitação continuada e de processos que garantam a supervisão do sistema.

Apesar de uma Auditoria Universal de Supervisão da Segurança Operacional ser efetiva na identificação e promoção de ações corretivas sistêmicas, ela não deve ser vista como um fim em si mesma. Igualmente importante é o desenvolvimento da habilidade em promover os melhoramentos recomendados por ela. A alocação de recursos para remediar os problemas processuais sistêmicos, por exemplo, deve ser avaliada e controlada cuidadosamente, tendo em vista que a desproporcionalidade no montante financeiro e no capital humano a serem aplicados para as correções apontadas poderá agravar a situação ao invés de aperfeiçoá-la.

Processos incompletos e programas e projetos parcialmente realizados são, normalmente, introdutores de patologias administrativo-operacionais em qualquer Sistema de Aviação Civil, por trazerem a ele solução de continuidade e dificultarem a construção de uma infra-estrutura de apoio adequada à demanda da aviação do país, o que geralmente compromete a Segurança Operacional.

Atualmente, a experiência da implantação do SMS – Safety Management System – na indústria de aviação tem demonstrado que este é um bom caminho para se conquistar efetividade nas ações de segurança.

Alguns organismos de regulação e fiscalização da Aviação Civil, de países-membros da ICAO, vêm melhorando o seu desempenho ao utilizarem o SMS para buscar meios de aperfeiçoamento e otimização da sua força de trabalho, que muitas vezes por ser reduzida não consegue exercer a melhor supervisão sistêmica.

Na verdade, o SMS melhora o nível de supervisão porque é um caminho promissor para se obter cooperação e comprometimento dos elos do sistema com o nível de Segurança Operacional, em função da responsabilidade de cada um deles com o cumprimento de tarefas, muito pelo fato de bem entenderem a filosofia do sistema e o impacto que suas ações podem causar no resultado final desejado por ele.

Infelizmente, o Brasil ainda encontra-se atrasado no que se refere à implantação do SMS nos vários segmentos do seu Sistema de Aviação Civil. Há que existir uma significativa disposição coletiva para que, num curto espaço de tempo, possamos implantar o SMS de maneira sistêmica e ordenada. Isto para que, a partir daí, passemos a ter condições de gerenciar melhor a Segurança Operacional na nossa indústria de aviação, tornando-a plenamente cumpridora dos requerimentos da ICAO. É preciso contaminar o sistema com um choque de disposição gerencial.

Atualmente, é preciso rever os planejamentos, projetos e processos do setor aéreo global, ajustando-os à realidade e à velocidade de mudança que ele tem se imposto, notadamente no que se refere à intensidade de mão-de-obra, de capital e de tecnologia.

Não cabe mais o “não saber” com a quantidade e a qualidade das informações disponíveis no dia-a-dia da aviação. Menos ainda está cabendo o “não fazer” num Sistema de Aviação Civil que almeje ser de ponta: seguro, eficaz, econômico, de baixo custo e que atenda as cobranças de um usuário cada vez mais exigente.

E para atender a esta demanda diferenciada, os administradores do sistema têm que se modificar a ponto de vivenciar uma gestão mais ágil e moderna do negócio-aviação, a qual englobe uma gerência de risco aperfeiçoada e capaz de manter os índices de Segurança Operacional controlados, conforme propõe um SMS eficiente.

Não dá mais para sermos dramaticamente lembrados das deficiências sistêmicas da Aviação Civil somente por ocasião de acidentes fatais que ocorram mundo afora. E o mais triste é que, muitas vezes, os problemas que levam às tragédias aéreas já foram apontados anteriormente por auditorias da ICAO, notadamente no que tange às falhas latentes, organizacionais e sistêmicas.

Os Sistemas de Aviação Civil não precisam ceifar mais vidas, que poderiam ser poupadas, para passar a acreditar que somente as melhores práticas administrativo-operacionais os levarão a manter os níveis de Segurança Operacional dentro de limites aceitáveis.

Enfim, é hora de todos os países-membros da ICAO fazerem o seu dever de casa, implantando Safety Management Systems comprometidos com a prevenção de incidentes e acidentes aeronáuticos, ou ainda teremos que lamentar, por um longo tempo, perdas materiais e humanas passíveis de serem evitadas.

quarta-feira, fevereiro 27, 2008

A PREVENÇÃO AO USO DE DROGAS PROBLEMÁTICAS NO AMBIENTE DE AVIAÇÃO

UM DESAFIO PARA TODO O SISTEMA


O uso inadequado de medicamentos ou qualquer outro tipo de droga, no transporte aéreo, é uma preocupação perene para as autoridades e os operadores do setor.

Por esta razão, certas instituições de classe, como a IFALPA, International Federation of Air Line Pilots Association, a qual representa mais de 100 mil pilotos em todo o mundo, encorajam um ambiente de Aviação Civil livre do uso de substâncias consideradas problemáticas. Entretanto, independente da ambiência, sempre há ou haverá alguém desenvolvendo o uso desses tipos de substâncias, seja por problemas de foro pessoal, seja pela pressão social que a vida contemporânea exerce sobre os indivíduos, ou por ambos.

É do conhecimento geral que quanto mais cedo se reconhece e se trata esse tipo de problema melhor será o resultado final obtido. Corroborando com esta afirmação, todos sabem que é unânime a opinião, por exemplo, de que se há um programa de prevenção ao alcoolismo sendo implementado, em uma organização ou em uma comunidade, o desenvolvimento do hábito do consumo de bebidas alcoólicas tende a se reduzir e o nível de sucesso dos tratamentos em curso também tende a aumentar.

A IFALPA declarou recentemente que, no seu ponto de vista, é assim que a questão deve ser abordada, no caso dos pilotos. Para a Federação, qualquer tentativa de se tratar o assunto profissionalmente deverá se basear em programas de prevenção capazes de reconhecer precocemente uma tendência ao uso abusivo de substâncias problemáticas. E estes programas também devem abrigar disparadores de processos de intervenção, com a finalidade precípua de se interromper o desenvolvimento de hábitos inadequados ligados ao uso de drogas nocivas à saúde, lícitas ou não.

Com o rótulo de “solução” para esse problema surgiu, há alguns anos, o teste randômico de reconhecimento do uso de drogas. Entretanto, na opinião da IFALPA, este tão propalado teste aleatório de detecção de drogas e substâncias problemáticas não previne o seu uso, nem auxilia a abandoná-las os que já as utilizam, fazendo dele um instrumento carente de eficácia e distante de se tornar uma solução para a questão.

Esta é a razão pela qual a IFALPA é totalmente contra a aplicação desses testes em pilotos, sem que um programa de orientação e apoio aos usuários e de recuperação dos dependentes seja paralelamente desenvolvido. O teste, isoladamente, só serviria para estigmatizar pessoas as quais já estariam sob o jugo de uma patologia, ou seja, sem condições de discernir entre o bem e o mal para a sua saúde. Vale ressaltar que muitos dos acometidos por essa doença certamente teriam plena capacidade de abandonar o uso das drogas, sob supervisão de especialistas, o que lhes daria a condição de serem reconduzidos ao trabalho produtivo, com grande chance de sucesso.

Entretanto, caso este teste venha a ser aprovado pelas autoridades e utilizado pela Aviação Civil de algum país, a IFALPA advoga que, independente do resultado, este não seja um ato punitivo, mas, ao contrário, seja um identificador daqueles que necessitam de tratamento apropriado. Faz-se necessário enfatizar que o uso e a dependência de substâncias problemáticas devem ser classificados como patologias, as quais requerem diagnósticos e tratamentos supervisionados, além de programas de reabilitação com vistas à recondução ao ambiente de trabalho dos profissionais recuperados.

A IFALPA declara que a aplicação do teste para detecção de substâncias problemáticas deve restringir-se aos processos de:

· Seleção;
· Investigação de acidentes;
· Retorno ao trabalho após o cumprimento de um programa de reabilitação, e;
· “Razoável suspeita de uso”.

Quanto ao último processo abordado, o de “razoável suspeita de uso”, deve-se ter critérios e procedimentos formulados por especialistas em medicina (clínico-geral, psiquiatra, psicólogo e outros), a fim de se tornarem válidos, informativos, educativos e tão transparentes quanto requer uma questão sensível como esta.

Outra face do uso de drogas problemáticas, extremamente nefasta, é o hábito da automedicação. Até porque, este hábito pode ser proveniente de uma patologia conhecida como hipocondria, que é a mania de se sentir doente e, conseqüentemente, de se tomar como correto o consumo de remédios sem orientação médica.

A maioria dos profissionais de aviação que se automedicam desconhece totalmente os efeitos colaterais das drogas que utilizam. Isto os deixa vulneráveis o suficiente para perderem a agudez da percepção, a normalidade de atuação dos sentidos e a consciência situacional durante a operação aérea, situações que podem transformar a automedicação em fator contribuinte para um incidente ou um acidente aeronáutico, especialmente no caso dos pilotos.

Desde um “inocente” relaxante muscular aos anti-histamínicos, antigripais, ansiolíticos, barbitúricos, analgésicos opiácios e seus derivados, há uma legião de medicamentos que pode influenciar o desempenho humano, notadamente quando este requer atributos individuais ligados à cognição e às habilidades técnico-motoras apuradas, como é o caso das exigências encontradas na atividade específica do aviador.

Tenha sempre em mente que, da mesma forma que comandar aviões é tarefa para pilotos habilitados e qualificados, a prescrição de remédios é tarefa exclusiva de médicos detentores de registro no CRM. Por isto, rejeite a automedicação e seja um ativo agente propagador desta idéia.
Por fim, o objetivo deste artigo é auxiliar no trabalho de prevenção de incidentes e acidentes aeronáuticos, já que o combate ao uso de drogas problemáticas no ambiente de aviação deve ser uma obrigação de todos que a ela estão ligados.

Ajude, você também, a combater o uso de drogas e a automedicação. O SIPAER - Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos - agradece.

sábado, fevereiro 09, 2008

AEROPORTOS

O Problema das Ocorrências de Solo, Incidentes e Acidentes de Rampa

As rampas dos aeroportos correspondem às áreas operacionais dos pátios de manobras, estacionamento e permanência de aeronaves. E em muitos sítios aeroportuários elas são áreas confinadas e congestionadas o suficiente para se tornarem espaços propensos a ocorrências de solo, incidentes e acidentes, eventos que, se ocorrerem, impõem um alto custo financeiro à indústria aeronáutica pelos prejuízos a pessoas e equipamentos que eles podem causar.

Quase todos os estudos e pesquisas relacionados com estes tipos de eventos levam-nos a concluir que além de normas, procedimentos e treinamentos adequados, uma mudança na Cultura Organizacional das companhias aéreas, das empresas de serviços auxiliares e das administrações aeroportuárias faz-se urgente, como forma de focar o trabalho coletivo e individual em ações preventivas e na criação de um sistema de segurança e vigilância apropriados, sempre buscando manter a integridade das pessoas e materiais que constroem o dia-a-dia do ambiente de rampa dos aeroportos.

Um dos estudos mais completos e interessantes sobre a questão que eu tenho conhecimento foi feito em 2004 pela FAA – Federal Aviation Administration. Ele englobou todos os eventos de rampa envolvendo as empresas aéreas comerciais americanas num período de 17 anos, de 1987 a 2003.

Analisando os dados, provenientes de várias fontes, os especialistas reafirmaram que esta questão é uma das mais preponderantes ameaças à Segurança Operacional nos aeroportos. Apesar disto, os entendidos em segurança aérea dizem que a questão não tem nem a atenção dos administradores nem a prioridade que merece no sistema, durante as discussões sobre Segurança Operacional. Para se ter uma idéia da dimensão do problema no âmbito da aviação, só no período que compreendeu o estudo, de 1987 a 2003, as companhias aéreas americanas desembolsaram, em média, 03 bilhões de dólares/ano para fazer frente aos prejuízos causados pelas ocorrências de solo, incidentes e acidentes de rampa em todo o país.

Mais de 700 eventos envolvendo 880 aeronaves foram estudados, incluindo 161 acidentes, nos quais 06 destas aeronaves foram totalmente destruídas e outras 132 foram substancialmente danificadas. E para agravar o quadro, houve um total de 18 fatalidades e 149 pessoas feridas, dentre elas 55 com gravidade. E o mais impressionante é que o estudo somente cobriu 2,5% de todos os eventos reportados nestes 17 anos de intervalo. Isto porque a análise foi feita somente com a parcela de dados que registrou as ocorrências mais graves envolvendo as aeronaves norte-americanas, as quais fazem parte de uma gigantesca frota nacional. Algo em torno de 75% dos dados foram tirados do próprio Banco de Dados da FAA, outros 21% do NTSB – National Transport Safety Board e os 04% restantes da OSHA – Occupational Safety and Health Administration dos Estados Unidos. Ressalta-se que esta última instituição, a OSHA, somente considera em seus registros os eventos ocorridos com aeronaves que não têm intenção de voar (em reboque, estacionadas, etc) e que não estejam tripuladas.

As análises mostraram que as principais causas dos eventos são a não aderência dos funcionários às normas e procedimentos e um treinamento inadequado de aeroviários e aeronautas. Segundo os especialistas, todas as ações corretivas, se não forem acompanhadas de uma mudança na Cultura Organizacional de Segurança Operacional das empresas envolvidas com a administração e com a operação aérea e aeroportuária, tornam-se inócuas.

Operações de Rampa
N
os Estados Unidos, a maioria das administrações aeroportuárias delega as ações de Segurança Operacional nas rampas aos arrendatários (terceirizados), transferindo obrigações e especificando o conjunto de responsabilidades em contratos de leasing ou através de outros mecanismos formais.

Geralmente, as grandes empresas aéreas têm seu próprio pessoal de rampa para a execução de atividades como o abastecimento, a limpeza e a reposição do serviço de bordo das aeronaves, o manuseio de cargas e bagagens, a orientação dos veículos e das aeronaves no pátio, o reboque de aviões para os hangares e a execução de pushback (posicionamento da aeronave no pátio para iniciar o taxi-out para decolagem). Contudo, nos aeroportos onde a presença do staff das companhias aéreas é reduzido, estes serviços são executados por outras empresas contratadas.

Tudo isto significa dizer que há uma enorme diversidade de aeronaves, equipamentos, veículos automotores e pessoas disputando tempo e espaço na área de rampa dos aeroportos durante as operações normais do seu dia-a-dia. Para agravar, também há que se incluir neste cenário as equipes-extras de manutenção para serviços maiores, os grupos de policiais federais, os fiscais alfandegários, os funcionários de empresas de construção civil (quando o aeroporto encontra-se em obras) e os agentes de segurança patrimonial e contra atos terroristas que, reunidos neste ambiente, aumentam significativamente a complexidade de uma operação de solo coordenada e segura.

Fatalidades e Ferimentos
G
rande parte dos eventos de rampa, os quais envolvem fatalidades e ferimentos graves, acontece durante a movimentação de saída das aeronaves, com destaque acentuado para as ocorrências com os aviões turbo-hélice. Para se ter uma idéia mais apurada da proporção, na contabilização de 30% das saídas, no período estudado, os aviões turbo-hélice envolveram-se em 50% das 18 fatalidades e 38% dos ferimentos graves.

Os dados abaixo mostram o perfil das conseqüências provocadas pelas ocorrências de rampa aos funcionários e aos usuários das empresas aéreas americanas no período estudado:


_____________________________________________________________________________
PASSAGEIROS
M_02 FL_13 FG_30

PILOTOS
M_01 FL_01 FG_02

COMISSÁRIOS
M_00 FL_05 FG_07

GROUND STAFF
M_15 FL_36 FG_55
_____________________________________________________________________________
TOTAL
M_18 FL_55 FG_94



1. M = Mortes / FL = Ferimentos Leves / FG = Ferimentos Graves
2. Os dados reproduzem a análise de 727 eventos de rampa no período compreendido entre 1987 e 2003.
3. Fonte: ICAO Journal.


As ocorrências ligadas aos passageiros têm como causas principais o mau posicionamento das escadas nas aeronaves, a desassistência dos usuários nas operações de embarque ou desembarque e a negligência do próprio passageiro durante a sua saída do avião, especialmente quando rejeita auxílio do staff de terra da empresa aérea, estando carregado de bagagens de mão.

Outros eventos, como a colisão dos Jetways (corredores sanfonados de embarque e desembarque) contra partes da aeronave e danos causados a equipamentos e pessoas pelo Jetblast dos motores (jato de ar proveniente da descarga dos motores a jato em funcionamento), também têm lugar de destaque, já que perfazem 5% do total de ocorrências. Este último, o Jetblast, chega a danificar prédios de terminal de passageiros, pequenas aeronaves e veículos automotores, jetways, hangares e contêineres (recipiente de aço para transporte de bagagens e carga nos porões dos aviões), além de ser uma ameaça constante ao pessoal envolvido com as operações de solo.

Conclusão

As áreas de rampa dos aeroportos podem ser locais extremamente congestionados e com espaços bastante confinados. A quantidade e a diversidade de aeronaves, veículos automotores, equipamentos e pessoas concentradas nelas podem criar um cenário vulnerável a eventos aeronáuticos indesejáveis. Tratar estes ambientes com atenção e prioridade, sob ininterrupta observação e governado por regras rígidas de disciplina operacional torna-se tão necessário quanto se pensar em colocar os aviões no ar sem avarias.

Os fatores causais das várias ocorrências observadas no estudo da FAA indica-nos que a Cultura Organizacional das empresas envolvidas também deve ser tratada com prioridade e respeito redobrados. Muitos aeroportos têm populações flutuantes de funcionários e usuários maiores do que as de muitas cidades de pequeno porte ao redor do mundo, o que os faz requerer administrações competentes, conscientizadas e comprometidas com os princípios básicos de Segurança Operacional.

Além disto, uma acurada rede de reporte de eventos, com registro em Banco de Dados confiáveis, torna-se primordial para uma boa análise de tendências, fator que facilita ações pró-ativas e preditivas, as mesmas que antecipam ações corretivas, elevam o alerta situacional do pessoal envolvido nas operações aeroportuárias e elevam a participação na prevenção de eventos indesejáveis, melhora a gerência do risco da atividade e mantém a Segurança Operacional em níveis altos.

Agências reguladoras, administrações aeroportuárias, companhias aéreas, empresas de serviços auxiliares de transporte aéreo e todo o corpo funcional envolvido nas operações aeroportuárias devem se unir para tornar a prevenção de ocorrências de solo, incidentes e acidentes de rampa fatos raros e sem conseqüências nefastas.

A Segurança Operacional depende muito da educação funcional das pessoas e dos administradores. Por isso, mãos a obra! O trabalho preventivo não pode parar.