sábado, setembro 15, 2007

ALTA PERFORMANCE NOS COCKPITS

UM FATOR DEPENDENTE DO LIMITE HUMANO
As últimas notícias sobre o acidente com o AIRBUS da TAM, que vitimou quase 200 pessoas, deveriam levar o fabricante deste tipo de aviões a uma profunda reflexão sobre o que pode desequilibrar a relação Homem, Máquina e Meio.

Segundo informações divulgadas pela imprensa, recentemente foram realizados testes num simulador do mesmo tipo do avião sinistrado em São Paulo que reproduziram o cenário dos momentos finais do vôo JJ-3054 em Congonhas. Estes testes comprovaram que a união dos fatores que permitiram a evolução da cadeia de eventos, até se chegar à tragédia, impediu que os pilotos tomassem ações corretivas a tempo de se livrarem das complicações surgidas após o pouso da aeronave.

Ou seja, mesmo uma outra tripulação, descansada, livre das pressões de um vôo real, com experiência operacional no AIRBUS-320 e conhecendo previamente as condições adversas do cenário da tragédia, não conseguiu evitar o acidente durante os exercícios simulados.

Mas, por que será que pilotos treinados e experientes, no comando de uma aeronave ultramoderna, ainda são surpreendidos por situações incontornáveis? Será que não estamos ultrapassando os limites humanos em alguns aspectos operacionais e tecnológicos no processo de avanço da indústria aeronáutica?
Creio que a resposta a esta indagação está a cargo dos ergonomistas. Isto porque a Ergonomia é a ciência que estuda a adaptação dos ambientes e das tarefas – profissionais ou utilitárias – ao desempenho dos seres humanos.

Há que se avaliar constantemente o comportamento do ser humano na operação de determinados sistemas complexos e a sua capacidade de alcançar altas performances técnicas e gerenciais.

Por outro lado, um estudo ergonômico das características de novas tecnologias revolucionárias, vez por outra implantadas no sistema industrial aeronáutico, faz-se necessário para que haja antecipação à possibilidade da ocorrência de um desequilíbrio entre estas tecnologias e o desempenho humano.

Os testes simulados de São Paulo mostraram-nos que novos equipamentos e recursos sofisticados agregados aos aviões, que permanentemente confrontam a modernidade com a performance humana, eventualmente podem comprometer o conjunto de princípios cognitivos de profissionais experientes, criando-lhes dificuldades, por vezes intransponíveis, como parece ter sido o caso dos pilotos do AIRBUS acidentado em Congonhas.

Não quero, de maneira alguma, analisar antecipadamente qualquer dos fatores que possam ter contribuído para esse acidente, pois esta tarefa está a cargo da comissão de investigação do CENIPA - Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos. Entretanto, permito-me alertar os integrantes do Sistema de Aviação Civil do nosso país a respeito da mensagem subliminar trazida pelo resultado dos vôos simulados que reproduziram o cenário do acidente em Congonhas.

A inovação na indústria aeronáutica tem elevado de tal maneira os níveis de automação nas cabines dos aviões que acredito ser este momento oportuno para reavaliações, revisões e adequações, tanto em projetos que ainda estejam nas pranchetas dos designers como nos das aeronaves já em operação. Temos que nos assegurar se existe a menor possibilidade de algum detalhe estar fugindo ao controle humano a bordo das aeronaves, o que exigiria uma atenção especial dos especialistas para por fim à situação.

Em todo processo inovador, notadamente os implantados nos novos aviões de carreira, temos que garantir que a formação, capacitação e treinamento sejam capazes de dotar os pilotos da indispensável habilidade e da necessária expertise para apresentar a alta performance exigida dos que ocupam os seus cockpits.

Há inúmeras situações relacionadas à segurança operacional, no ambiente da aviação, usualmente destacadas após grandes acidentes, as quais impõem a necessidade de uma reformulação de normas, procedimentos e padrões.

Associado a isto, em outras ocasiões, até mesmo modificações em projetos de aeronaves mundialmente consagrados têm urgência de ocorrer com o objetivo de torná-los ajustados aos limites humanos de cognição, comportamento e desempenho. Entretanto, estas alterações de projetos sempre devem estar baseadas em análises ergonômicas bastante aprofundadas.

Os estudos também devem focar as questões relativas ao erro humano, porquanto, apesar do homem ser o maior e mais conhecido agente de fiabilidade, comete erros, por serem componentes da natureza humana. Assim, os sistemas complexos devem integrar processos, normas de concepção e subsistemas capazes de auxiliar na correção, recuperação, absorção e mitigação dos diversos tipos de erros cometidos pelos seus operadores.

Tendo a Ergonomia a responsabilidade de investigar o comportamento dos operadores em sistemas de referência, os ergonomistas devem estudá-los no seu habitat profissional, a fim de propor estímulos à realização adequada de tarefas complexas, com performances automonitoradas, particularmente no tocante aos erros, omissões, transgressões e ao grau de dificuldade que os processos e equipamentos podem lhes causar.

Aos que ainda não conhecem, as fotos abaixo mostram a cabine de um Boeing 737-200, aeronave considerada convencional, e outra do AIRBUS 320, um equipamento ultramoderno.

Notem a diferença no que tange à modernidade e à automação. Este avanço ocorreu nos últimos 20 anos.

Figura 1. Boeing 737-200


Figura 2. AIRBUS-320

Creio que imagens comunicam mais do que mil palavras, já diz um velho ditado popular. Eu também espero que as imagens chocantes dos últimos acidentes no Brasil também tragam mais ações preventivas à indústria aeronáutica do que discursos explicativos que, não raro, se perdem ao vento. Quem viver verá.

domingo, setembro 02, 2007

AEROPORTOS COM PISTAS CURTAS

RESA e EMAS: o que são e para que servem?

Após o lamentável acidente com o AIRBUS da TAM, no Aeroporto de Congonhas, muito se tem falado a respeito de áreas de escape e outros recursos para a contenção de aeronaves durante suas operações em pistas curtas, especialmente em situações emergenciais.

Esta preocupação no ambiente da aviação decorre do fato de 28% (vinte e oito porcento) dos acidentes com aeronaves comerciais estarem relacionados com overruns ou runway excursions, situações que consistem na ultrapassagem dos limites físicos das pistas nos momentos de aterrissagem ou de rejeição de uma decolagem.

Sem dúvidas que a probabilidade dessas situações ocorrerem em pistas de menor extensão é maior. Isto porque, ao longo do tempo, muitos aeroportos com pistas curtas passaram a operar com aeronaves maiores e mais pesadas, mas sem modernizar a pavimentação e, muito menos, pensar em aumentar o seu comprimento. Esta situação provoca uma operação com pouca margem de folga, notadamente em caso do surgimento de alguma ocorrência fora do previsto. E, quando acontece o inesperado, sobra pouco tempo para os pilotos reagirem.

Para enfrentar estes desafios e ampliar a margem de segurança das pistas, os especialistas em aviação, incluindo os da IFALPAInternational Federation of Air Line Pilots Association, a qual representa mais de 100.000 pilotos em todo o mundo, têm recomendado a construção de áreas de escape, conhecidas como RESA – Runway End Safety Área. Esta porção de espaço extrapista é um prolongamento convencional da pista principal e deve possuir um pavimento com alto coeficiente de atrito e com uma drenagem perfeita.

Atualmente, estas áreas têm tamanho padrão, com 90 metros de extensão. Já a IFALPA sugere novos modelos, com o comprimento definido por tipo de avião, identificado por códigos numéricos, por categoria (01, 02, 03 ou 04). Para os dois primeiros códigos (01 e 02) a Federação de Pilotos defende 120 metros de extensão. E para os demais, entende que essas áreas devam ter 240 metros de comprimento, pois os aviões com estes códigos são maiores e mais pesados.

Área de escape

A retenção da aeronave é efetiva e os danos materiais e humanos normalmente são baixos.
Além disto, hoje em dia, sugere-se a combinação da RESA com outra área que utilize o EMAS – Engineered Material Arresting System. O pavimento desta área tem características especiais, a fim de proporcionar a retenção da aeronave em caso de ultrapassagem dos limites da pista. O EMAS utiliza um material prensado e de textura macia, de forma tal que se o avião atingir esta parte ficará retido por aderência e afundamento, ocasionando resistência ao seu avanço.

Boeing-727 retido na área de escape com EMAS

Rodas do trem de pouso do nariz afundadas no EMAS


Entretanto, não devemos acreditar que a RESA ou o EMAS sejam panacéias e resolvam todas as situações de saída de pista. Na verdade, elas são recursos a mais para implementar o nível de segurança operacional, especialmente quando as situações de overruns ocorrem em velocidades mais baixas.

No acidente de Congonhas, por exemplo, o AIRBUS encontrava-se no último terço da pista numa velocidade muito além do esperado para o segmento final de uma corrida de pouso e, provavelmente, a eficácia de uma área de escape seria muito baixa para aquela condição. Contudo, o mais certo é aguardarmos a investigação do acidente que está sendo feita pelo CENIPA – Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, para podermos entender melhor o que de fato aconteceu.

Há outros recursos, menos utilizados, que podem auxiliar na parada de uma aeronave em caso de emergência sobre a pista, a fim de evitar que ela não ultrapasse os limites da pista. Cabos de aço (como os usados nos porta-aviões) e redes de contenção são alguns exemplos. Mas, em qualquer destes casos citados, deve-se considerar o custo-benefício da aquisição destes recursos adicionais de segurança.

Vale ressaltar que a operação em pistas curtas não constitui risco adicional. O que agrega risco adicional à operação nestes casos é a utilização de aeronaves inadequadas para o cumprimento da pista, uma superfície pavimentada sem os atributos necessários para a obtenção de altos coeficientes de atrito e a inexistência de um plano de manutenção preventiva do pavimento.

A bem da verdade, voltando para o Aeroporto de Congonhas, na minha opinião, ele deveria começar a ser desonerado de vôos, ficando somente com a Ponte Aérea e a operação de aviões executivos. E a sociedade brasileira precisa considerar esta alternativa.

Mas, para que isto ocorra sem maiores traumas para os usuários, é necessário a criação de uma ligação terrestre – um trem-bala no estilo japonês ou um monorail no padrão da Disney World, ligando Guarulhos/Campinas/São José dos Campos, para onde seriam transferidos os vôos excedentes de Congonhas. Esta ação integraria os modais de transporte aéreo e terrestre e ajudaria a distribuir entre esses aeroportos, de forma equilibrada, os vôos da capital e do interior paulista, evitando problemas de acessibilidade.

Isto feito, São Paulo, o estado da Federação de maior importância para a economia do país, passaria a ter um complexo aeroportuário eficiente e eficaz. O primeiro passo para viabilizar este novo plano aeroportuário seria pensar na infra-estrutura desses três aeroportos para o aumento da demanda de vôos e passageiros que ocorrerá.

No mais, é colocar com urgência o Sistema de Aviação Civil para trabalhar na implementação das soluções factíveis para os aeroportos paulistas, pois eles são capazes de impactar profundamente a malha aérea do país inteiro, positiva ou negativamente.

Aguardemos, com esperança. Eu acredito em melhores tempos para a nossa aviação.