Segundo informações divulgadas pela imprensa, recentemente foram realizados testes num simulador do mesmo tipo do avião sinistrado em São Paulo que reproduziram o cenário dos momentos finais do vôo JJ-3054 em Congonhas. Estes testes comprovaram que a união dos fatores que permitiram a evolução da cadeia de eventos, até se chegar à tragédia, impediu que os pilotos tomassem ações corretivas a tempo de se livrarem das complicações surgidas após o pouso da aeronave.
Ou seja, mesmo uma outra tripulação, descansada, livre das pressões de um vôo real, com experiência operacional no AIRBUS-320 e conhecendo previamente as condições adversas do cenário da tragédia, não conseguiu evitar o acidente durante os exercícios simulados.
Mas, por que será que pilotos treinados e experientes, no comando de uma aeronave ultramoderna, ainda são surpreendidos por situações incontornáveis? Será que não estamos ultrapassando os limites humanos em alguns aspectos operacionais e tecnológicos no processo de avanço da indústria aeronáutica?
Há que se avaliar constantemente o comportamento do ser humano na operação de determinados sistemas complexos e a sua capacidade de alcançar altas performances técnicas e gerenciais.
Por outro lado, um estudo ergonômico das características de novas tecnologias revolucionárias, vez por outra implantadas no sistema industrial aeronáutico, faz-se necessário para que haja antecipação à possibilidade da ocorrência de um desequilíbrio entre estas tecnologias e o desempenho humano.
Os testes simulados de São Paulo mostraram-nos que novos equipamentos e recursos sofisticados agregados aos aviões, que permanentemente confrontam a modernidade com a performance humana, eventualmente podem comprometer o conjunto de princípios cognitivos de profissionais experientes, criando-lhes dificuldades, por vezes intransponíveis, como parece ter sido o caso dos pilotos do AIRBUS acidentado em Congonhas.
Não quero, de maneira alguma, analisar antecipadamente qualquer dos fatores que possam ter contribuído para esse acidente, pois esta tarefa está a cargo da comissão de investigação do CENIPA - Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos. Entretanto, permito-me alertar os integrantes do Sistema de Aviação Civil do nosso país a respeito da mensagem subliminar trazida pelo resultado dos vôos simulados que reproduziram o cenário do acidente em Congonhas.
A inovação na indústria aeronáutica tem elevado de tal maneira os níveis de automação nas cabines dos aviões que acredito ser este momento oportuno para reavaliações, revisões e adequações, tanto em projetos que ainda estejam nas pranchetas dos designers como nos das aeronaves já em operação. Temos que nos assegurar se existe a menor possibilidade de algum detalhe estar fugindo ao controle humano a bordo das aeronaves, o que exigiria uma atenção especial dos especialistas para por fim à situação.
Em todo processo inovador, notadamente os implantados nos novos aviões de carreira, temos que garantir que a formação, capacitação e treinamento sejam capazes de dotar os pilotos da indispensável habilidade e da necessária expertise para apresentar a alta performance exigida dos que ocupam os seus cockpits.
Há inúmeras situações relacionadas à segurança operacional, no ambiente da aviação, usualmente destacadas após grandes acidentes, as quais impõem a necessidade de uma reformulação de normas, procedimentos e padrões.
Associado a isto, em outras ocasiões, até mesmo modificações em projetos de aeronaves mundialmente consagrados têm urgência de ocorrer com o objetivo de torná-los ajustados aos limites humanos de cognição, comportamento e desempenho. Entretanto, estas alterações de projetos sempre devem estar baseadas em análises ergonômicas bastante aprofundadas.
Os estudos também devem focar as questões relativas ao erro humano, porquanto, apesar do homem ser o maior e mais conhecido agente de fiabilidade, comete erros, por serem componentes da natureza humana. Assim, os sistemas complexos devem integrar processos, normas de concepção e subsistemas capazes de auxiliar na correção, recuperação, absorção e mitigação dos diversos tipos de erros cometidos pelos seus operadores.
Tendo a Ergonomia a responsabilidade de investigar o comportamento dos operadores em sistemas de referência, os ergonomistas devem estudá-los no seu habitat profissional, a fim de propor estímulos à realização adequada de tarefas complexas, com performances automonitoradas, particularmente no tocante aos erros, omissões, transgressões e ao grau de dificuldade que os processos e equipamentos podem lhes causar.
Aos que ainda não conhecem, as fotos abaixo mostram a cabine de um Boeing 737-200, aeronave considerada convencional, e outra do AIRBUS 320, um equipamento ultramoderno.
Figura 1. Boeing 737-200
Figura 2. AIRBUS-320
Creio que imagens comunicam mais do que mil palavras, já diz um velho ditado popular. Eu também espero que as imagens chocantes dos últimos acidentes no Brasil também tragam mais ações preventivas à indústria aeronáutica do que discursos explicativos que, não raro, se perdem ao vento. Quem viver verá.